Alice Ruiz

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Nefer Never – ALICE RUIZ

nefer nefer nefer
bela bela bela

uma nuvem talvez
desenha
o desejo em minha pele
toma
a forma do teu corpo
e me revela

minúsculos imãs
atraindo espaços
pela boca seda
pela pele rima
pelos pelos sede

neve e fogo
força e febre
no movimento
o silêncio se bebe
e se embriaga

agora
aqui
no dentro do outro
estilhaços de estrelas

pleno de si
esse cio
eterno início
nunca se sacia

nunca nunca nunca
never never never

(De meu livro “Dois em Um”)
Além da vida, ela mesma, a inspiração desse poema veio de um livro “O Egípcio” de Mika Waltari, onde uma das personagens, Nefer Nefer Nefer, que em egípcio significa Três Vezes Bela, diz ao seu apaixonado que a perfeição do amor é nunca realiza-lo. (Alice Ruiz)

    

    Canção de Maria

    Sepulcro santo

    Em que encaixe desta cruz
    Insere-se meu drama?
    Em que jazigo, em que mortalha,
    em que sudário? Eu penso
    enquanto teço este linho
    Que cobrirá teu corpo solitário.
    Ah! O suplício de ver-te abatido
    por essa lança a atravessar também meu peito.
    Perdão, peço, meu Pai, não sei o que faço
    Quando Lhe imploro que mude teu calvário!
    Sei que tua fome e sede por justiça
    Levaram-te à Via Crucis que hoje segues
    Mas…esse vinagre untando o talho aberto
    E essa coroa de espinhos que te veste
    Refletem em mim a dor toda que sentes
    Por esses homens que seguem ignorantes…
    Sou uma dentre tantas mulheres da Judéia
    Que choram sobre os corpos
    De seus filhos mortos,
    pelas vidas que teceram e se consomem
    em lutas, traições e injustiças
    No solo seco dessa Palestina
    No solo seco desse mundo inteiro
    Que Páscoa alguma, nunca, ressuscita!

    (Ludmila Saharovky – Publicado no longínquo ano de 1980 no
    Diário de Jacareí)

      

      Dia da poesia

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      Hoje, dia 14 de março, dia da poesia, deixo para vocês essa beleza de versos de Adélia Prado, que amo!

      e Cecília Meireles

      Amém
      Hoje acabou-se-me a palavra,
      e nenhuma lágrima vem.
      Ai, se a vida se me acabara
      também!

      A profusão do mundo, imensa,
      tem tudo, tudo – e nada tem.
      Onde repousar a cabeça?
      No além?

      Fala-se com os homens, com os santos,
      consigo, com Deus. . . E ninguém
      entende o que se está contando
      e a quem. . .

      Mas terra e sol, luas e estrelas
      giram de tal maneira bem
      que a alma desanima de queixas.
      Amém.

      e Drummond de Andrade

      Drummond

          

        Infinito Pessoal

        Desvio dos teus ombros o lençol,
        que é feito de ternura amarrotada,
        da frescura que vem depois do sol,
        quando depois do sol não vem mais nada…

        Olho a roupa no chão: que tempestade!
        Há restos de ternura pelo meio,
        como vultos perdidos na cidade
        onde uma tempestade sobreveio…

        Começas a vestir-te, lentamente,
        e é ternura também que vou vestindo,
        para enfrentar lá fora aquela gente
        que da nossa ternura anda sorrindo…

        Mas ninguém sonha a pressa com que nós
        a despimos assim que estamos sós!

        David Mourão-Ferreira, in “Infinito Pessoal”

          

          Herberto Helder

          Durante a primavera inteira aprendo
          os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto
          correr do espaço
          e penso que vou dizer algo cheio de razão,
          mas quando a sombra cai da curva sôfrega
          dos meus lábios, sinto que me falta
          um girassol, uma pedra, uma ave qualquer
          coisa extraordinária.
          Porque não sei como dizer-te sem milagres
          que dentro de mim é o sol, o fruto,
          a criança, a água, o leite, a mãe,
          o amor,

          que te procuram.

          (Herberto Helder)

              

            Manoel de Barros

            Lápis
            Manoel de Barros

            É por demais de grande a natureza de Deus.
            Eu queria fazer para mim uma naturezinha
            Particular.
            Tão pequena que coubesse na ponta do meu
            Lápis.
            Fosse ela, quem me dera, só do tamanho do
            meu quintal.
            No quintal ia nascer um pé de tamarindo apenas
            Para uso dos passarinhos.
            E que as manhãs elaborassem outras aves para
            Compor o azul do céu.
            E se não fosse pedir demais eu queria que no
            Fundo corresse um rio.
            Na verdade, na verdade a coisa mais importante
            Que eu desejava era o rio.
            No rio eu e a nossa turma, a gente iria todo
            Dia jogar cangapé nas águas correntes.
            Essa, eu penso, é que seria a minha naturezinha
            Particular:
            Até onde o meu pequeno lápis poderia alcançar.

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