Anotações dedicadas a Kherima (parte 1)

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Era o ano de 1976. Meus sogros moravam na Tijuca, na rua Henrique Fleiuss, e eu com os filhos pequenos passava com eles todas as férias de verão. Saíamos de Jacareí antes do Natal e retornávamos em março, com o início das aulas escolares. Foi um tempo muito feliz, quando conheci pessoas muito interessantes, entre elas, Guimarães Rosa, amigo de longa data do padrinho de meu marido e presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, dr. Raul Floriano. Dr. Raul residia num lindo palacete, cujo segundo andar inteiro era ocupado por sua biblioteca. Todas as noites, após o jantar, nos reuníamos para tomar um licor “digestivo” de jabuticaba e conversar, com seus convidados sobre literatura, novos autores e os clássicos, seus muito queridos.
Eu havia começado a escrever crônicas para o jornal O Combate e me sentia importante demais nesta função. Aliás, só quem escreve sabe da satisfação de ver seu artigo publicado, ainda mais numa coluna pessoal. Dr. Raul e d. Lilica (Cecília) sua esposa, sem filhos, me adotaram e apadrinharam. Dr. Raul corrigia meus textos, dava dicas de assuntos interessantes, me apresentava aos seus amigos como “essa menina, mal saiu da adolescência e já virou cronista”. Eu não cabia em mim de alegria e me empenhava em escrever cada vez mais e melhor! Foi Dr. Raul quem me presenteou com um raro e esgotado exemplar do Dicionário de Palavras Afins, que guardo e consulto até hoje, e também com obras autografadas de Drummond, mineiro como ele e seu grande amigo, Rachel de Queirós, Osman Lins, Affonso Romano de Sant’anna (colega de meu então marido no Instituto Granbery de Juiz de Fora). Foi ele também quem me apresentou a outro vizinho de rua, que como nós participava dessas reuniões: Professor Victor Staviarski, membro da Sociedade dos amigos do Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, egiptólogo e um homem de muitas e incríveis histórias. Prof Victor havia começado a dar cursos de egiptologia e escrita hieroglífica, na seção de egiptologia do Museu ao som de óperas como Aida, de Giuseppe Verdi, e contava uma incrível história sobre a múmia apelidada de Kherima, que fora trazida ao Brasil num caixote de madeira em 1824. Dois anos depois, ela foi arrematada em leilão por Dom Pedro 1º, que a doou ao então Museu Real, fundado em 1818 e instalado à época no Campo de Santana, na região central da cidade do Rio de Janeiro.
Kherima destacava-se por apresentar um tipo de enfaixamento muito diferente do usual: seus pés estavam enfaixados em separado, e não juntos, e havia uma “rede de Osiris” sobre seus órgão sexuais, e não sobre o coração, como mandava a tradição dos embalsamentos, para que o Osíris o principal deus do panteão funerário e Grande Juiz no Tribunal da pesagem do coração, entendesse e perdoasse as suas faltas. “No caso de Kherima, esta rede foi colocada no baixo ventre para preservar a sua virgindade”, explicava o Prof. Até então, ela não tinha nome. Era identificada apenas com o número que lhe fora atribuído no leilão.
Pois bem, a historia que o Prof. Victor nos contou naquela noite, foi a de que recebera uma carta de uma jovem lhe agradecendo por tê-la salvo do suicídio. Era uma de suas alunas, e lhe escrevera porque, deprimida, havia passado muito tempo juntando remédios para tomar e dormir para sempre. Numa das aulas, em que o prof. permitia que os presentes tocassem a múmia, ela o fez e imediatamente entrou em transe: a mulher mumificada a guiara em sua própria morte, por lugares horríveis, segundo ela, destinados aos suicidas. O terror pelo qual a moça passou fez com que chegasse em casa e jogasse fora todos os comprimidos, escrevendo em seguida ao professor.
A este caso, seguiram-se outros, com cartas vindas de diversos lugares do Brasil e pessoas indo ao Museu para ver e tocar a múmia. Um desses grupos pediu ao professor, licença para fazer uma reunião espírita junto ao sarcófago. Foi quando Kherima revelou seu nome. Era, na verdade uma princesa egípcia, herdeira do trono, uma vez que sua antecessora não tivera filhos, e que tramou seu assassinato. Ela fornecera datas, nomes, local do atentado, e a explicação para a rede de Osiris colocada sobre seu baixo ventre: Fora feita por seu prometido que queria preservar sua virgindade para o encontro de ambos numa vida futura. O Prof. Vitor, munido dessas informações conseguira entrar em contato com o Rei Farouk, indo ao Egito e confirmando as informações sobre Kherima, viagem que descreveu num livro intitulado “Kherima, o mistério de uma princesa”.
Não preciso dizer a vocês que saí impressionadíssima com esta história e perguntei ao Prof. se eu também poderia tocar a múmia e ver que experiência eu teria. Ele permitiu, assim, numa segunda feira, dia em que o Museu permanecia fechado para a visitação pública, nós fomos lá e a experiência que eu vivi, publiquei nessa matéria da Revista Jacareí de 1976. Vou reconta-la para vocês em breve!

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