Confidências

Rememoro seu rosto. Colho seus gestos de carinho. Às vezes, sinto necessidade de fechar os olhos para lembrá-lo melhor. Para sentir o timbre de sua voz reverberando em minha alma. Para percorrer com inteireza este itinerário que você deixou traçado.
Estando só, refugio-me na escrita: árdua ocupação de compreender a vida através dos signos. Alguns de luz. Outros mergulhados ainda numa nebulosidade que, inconsciente, também, por vezes, me acompanha. Escrevo para falar-lhe de meus sentimentos e emoções, mesmo sem a certeza de que me lerás, um dia.
Caminho pela casa, reconhecendo agora nela, um território marcado por sua passagem: aqui uma agenda, ali uma camisa, o incenso, nosso pijama compartilhado, os rachis. No livro de poemas, um bilhete seu falando de amor. O cheiro ocre de madeira queimada vindo da lareira da sala, o vinho reservado para as conversas noturnas, os jornais.
Transporto-me, às vezes, também, para um outro espaço inundado de livros. A cama, que compõe um cenário minimalista, está vazia. Recortes, pastas, anotações amontoam-se sobre a escrivaninha. Um armário engole a desordem de roupas sobrepostas. Ali, uma tarde, meus dedos desfiaram seus cabelos e pela primeira vez seus braços embalaram minhas fantasias e os sonhos.
Quero viver uma paixão tranqüila, você me disse, como se o amor pudesse existir sem sobressaltos!
Quero viver uma paixão tranqüila, e eu desejosa de protagonizá-la, adentrei na eternidade, observando meu próprio nascimento, nessa outra concepção de tempo. Um tempo oblíquo, eu diria…
Hoje, digo seu nome e estremeço. Estremeço de saudades, desse tempo que não se revelou.
(Ludmila, anotações para o monólogo A pedra e o lago)

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