Pra não dizer que não falei de flores

Outro dia, numa mesa redonda com estudantes, um deles perguntou-me: “Sem o que a senhora não poderia viver?”
A questão pegou-me de frente!
Pensei em tantas coisas imprescindíveis em minha vida: a família, a fé, os amigos, os livros, a música, mas, a frase saiu de minha boca sem que eu controlasse as palavras: “Acho que não poderia viver sem as flores.” A resposta surpreendeu tanto ao grupo, como a mim! Depois, eu me senti encabulada, culpada até, e pensei cá com meus botões: “Mas isso é resposta que se dê”? E essa constatação tão simples continuou martelando-me cabeça! Pensei e pensei e compreendi que ela viera de minha alma, instintivamente. Essa minha alma que se alegra com as flores, como se alegra com as orações. Ela se alimenta dessa beleza gratuita, dessa serenidade plena. Ela descansa nessa beatitude, ela se comove: “Olhai os lírios dos campos”…
Vivendo no Brasil, florido por natureza, quantas vezes passamos indiferentes à imensidão de cores com que a terra nos presenteia, mas, vivêssemos num país europeu, onde as estações são tão marcadas, e, a primeira florzinha que brota após os rigores do inverno, tão ansiosamente aguardada, significaria para nós também, a promessa da renovação da vida! Não é à toa que tudo se veste de cor e de alegria: os pastos, as árvores, os arbustos, os canteiros das praças e dos jardins! Os pássaros ficam mais atrevidos, as borboletas saem de seus casulos, os insetos invadem os gramados. A natureza torna a urdir sua surpreendente trama de frutos e sementes e a vida se perpetua!
Não sei! Talvez por sua fragilidade, talvez pela beleza e delicadeza das pétalas e cores, as flores, elas se cumprem, sem perguntas (Cecília Meireles)
Cumprir-se sem perguntas! Só um poeta para, numa frase tão breve, despertar em nosso íntimo tamanha agitação! Nós, que vivemos questionando absolutamente tudo: o tempo, as pessoas, as filosofias, as atitudes, os modismos, as leis, as posses. Nós que estamos sempre na luta, contra o que mesmo? Ora! Não importa! Lutamos por tudo, sem a trégua, sequer, das estações…e nos esquecemos de florir. Depois, chegando ao período de nosso próprio inverno, inevitavelmente, o medo nos invade! Pudera! Deixamos nossa alma refém apenas do sol do verão e suas consequências! Não hibernamos, não brotamos, não florescemos, não perfumamos o mundo com a nossa presença, não deixamos que a vida se cumpra em nós sem contestarmos a tudo e a todos!
Caros: não quero permanecer aqui, tecendo vãs filosofias sobre como devemos ou não devemos ser, mas, me permitam apenas uma colocação, nesse início de primavera: Vamos deixar-nos desabrochar: orquídeas, girassóis, rosas, violetas, dálias, margaridas, acácias, azaléias, camélias, hortências, jacintos, jasmins, lírios, maravilhas, amores perfeitos, dentes de leão, não importa…sintam apenas a flor que emociona sua alma e abram-se, sem reservas, para este sol de primavera!
(Ludmila Saharovsky) crônica publicada no jornal O Vale, edição de sábado, 25 de setembro

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