Noturno

No silêncio do quarto
Esta paixão inominável
me impele a mergulhar inteira
Em teus mistérios.
Tuas mãos acariciam-me o sono
E o poema brota incandescente
Iluminando a noite
E os lençóis.
(Ludmila do livro Te Sei)

En el silencio del cuarto
esta pasión indomita
Me impulsa a sumergirme entera
en tus misterios.
Tus manos acarician mi sueño
y el poema brota Incandescente
Iluminando la noche
Y las sábanas.
(tradução de Alicia Dominguéz)

    

    Marina Tsvetaeva

    Marina Tsvetaeva nasceu em Moscou em 1892 e, após uma vida condicionada por trágicas circunstâncias, suicidou-se em Kazan, em 1941. Filha de um filólogo ilustre, de origem plebéia, professor universitário e fundador do Museu Puchkin, e de uma musicista, de ascendência alemã, aristocrata, teve sua infância marcada, como ela mesma diz, pelo exemplo de dedicação ao trabalho e pelo culto à natureza (pai), ao mesmo tempo que pelo amor à música e à poesia (mãe). Aos dezesseis anos tem seu primeiro livro de poemas acolhido pela crítica (Volóchin, Briussov) como uma revelação.

    A partir deste momento abandona seus estudos musicais e dedica-se
    em definitivo à poesia. Conhece a fundo a lírica européia de seu tempo (especialmente a alemã e a francesa), mas são seus conterrâneos (Blok, Akhmatova, Biéli, Mandelstamm, Maiakóvski), a
    Rússia e seus temas que suscitam a pujança de sua expressão poética.

    Força e refinamento junto de uma intrigante angulosidade e diversidade de estilo e de argumento, aliados a uma expressão rítmica das mais felizes situam-na, na moderna poesia russa, entre seus últimos grandes representantes: Pasternak, Mandelstamm e Akhmatova. ( publicado no livro Poesia Russa Moderna
    com tradução e comentários de Augusto de Campos,
    Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman –
    Editora Brasiliense 1985)

    À VIDA

    Não colherás no meu rosto sem ruga
    A cor, violenta correnteza.
    És caçadora – eu não sou presa.
    És a perseguição – eu sou a fuga.
    Não colherás viva minha alma!
    Acossado, em pleno tropel,
    Arqueia o pescoço e rasga
    A veia com os dentes – o corcel
    Árabe
    (Trad. Augusto de Campos)

    Abro as veias: irreprimível,
    Irrecuperável, a vida vaza.
    Ponham embaixo vasos e vasilhas!
    Todas as vasilhas serão rasas,
    Parcos os vasos.

    Pelas bordas – à margem –
    Para os veios negros da terra vazia,
    Nutriz da vida, irrecuperável,
    Irreprimível, vaza a poesia.
    (Trad. Augusto de Campos)

    Mão esquerda contra a direita.
    Tua alma e minha alma – rentes

    Fusão, beatitude que abrasa.
    Direita e esquerda – duas asas.

    Roda o tufão, o abismo fez-se
    Da asa esquerda à asa direita.
    (Trad.Haroldo de Campos, Poesia Russa Moderna, Signos 33, p. 216)

      

      Manoel de Barros

      “Um passarinho pediu a meu irmão para ser sua árvore.
      Meu irmão aceitou de ser a árvore daquele passarinho.
      No estágio de ser essa árvore, meu irmão aprendeu de
      sol, de céu e de lua mais do que na escola.
      No estágio de ser árvore meu irmão aprendeu para santo
      mais do que os padres lhes ensinavam no internato.
      Aprendeu com a natureza o perfume de Deus
      seu olho no estágio de ser árvore aprendeu melhor o azul
      E descobriu que uma casa vazia de cigarra esquecida
      no tronco das árvores só serve pra poesia.
      No estágio de ser árvore meu irmão descobriu que as árvores são vaidosas.
      Que justamente aquela árvore na qual meu irmão se transformara,
      envaidecia-se quando era nomeada para o entardecer dos pássaros
      e tinha ciúmes da brancura que os lírios deixavam nos brejos.
      Meu irmão agradecia a Deus aquela permanência em árvore
      porque fez amizade com muitas borboletas.”
      Manoel de Barros


      “IV
      No Tratado das Grandezas do Ínfimo estava
      escrito:
      Poesia é quando a tarde está competente para
      Dálias.
      É quando
      Ao lado de um pardal o dia dorme antes.
      Quando o homem faz sua primeira lagartixa
      É quando um trevo assume a noite
      E um sapo engole as auroras ”
      Manoel de Barros.

      “Prezo insetos mais que aviões.
      Prezo a velocidade
      das tartarugas
      mais que a dos mísseis.
      Tenho em mim
      esse atraso de nascença.
      Eu fui aparelhado
      para gostar de passarinhos.
      Tenho abundância
      de ser feliz por isso.
      Meu quintal
      É maior do que o mundo.”
      Manoel de Barros