Dailor Varela: carta ao amigo


Há pessoas na vida da gente que chegam pra ficar.
Ficar de uma forma tal, que nem a morte nos separa.
Dailor é um deles.
Temperamental? Sim.
Estranho? E quem de nós não é?
Recluso? Tímido? Inconstante? Passional? Revoltado? Caprichoso? Apaixonado?
Não sei que adjetivo desses, que sempre lhe emprestaram, mais se aplicaria para defini-lo. Para mim Dailor é uma dessas almas peregrinas que não se adequou aos tempos em que vivemos.
Sonhador, romântico, sensível, eu o vejo, agora, deitado em sua nordestina rede, em sua casa lobatense, conversando com as estrelas.
Talentoso, de escrita fluente e personalíssima, um dos cem mais importantes poetas brasileiros, Dailor presenteou-me a vida toda com sua amizade.
Trocamos um baú de cartas, confidências, bilhetes. À minha leitura e comentários confiou os manuscritos de seus últimos livros.
Nos envelopes das cartas que me endereçava, escrevia:
Para Ludmila Mayakovski, “princesa das estepes russas”
Certa feita, o síndico do apartamento que ocupamos em Niterói, vendo minha correspondência, pergunto-me se eu era “irmã do poeta russo”…
“Do Mayakovski? Não!”. “Sou irmã desse poeta nordestino que me escreve”…
Todas suas cartas vinham datilografadas, com correções feitas à caneta vermelha, com recortes colados, rabiscos, manchas, impressões digitais. Sempre uma viagem!
Certa feita, em meu aniversário ele me presenteou com uma foto minha, segurando uma bola de cristal, recoberta por recortes de seus poemas, recortes de crônicas que escrevi e desenhos rabiscados à caneta Bic na volta. Eu, com uma coroa russa sobre a cabeça. E tudo isso embrulhado num pedaço de jornal, como era seu costume…
Como nos conhecemos?
Assim: Eu era uma aspirante a cronista e ele já um jornalista famoso, recém vindo para o Vale do Paraíba, “importado” da revista Veja. Lembro-me de que eu estava super insegura em conhecê-lo, na Galeria do Sol do Ênio Puccini, sentada no chão, rodeada pelas gravuras de Arlindo Daibert – que Ênio estava organizando para expor- quando adentrou a sala um rapaz magro, tímido, de cabelos encaracolados, óculos de aros redondos, calça jeans, sandálias franciscanas, uma larga bolsa de couro já gasto, jogada nos ombros sobre uma bata branca, cearense, que Ênio me apresentou:
“Dailor Varela, Ludmila.”
“Ludmila, Dailor”
O “Olá, como vai?” saiu à fórceps de sua garganta, gaguejado, mais para o chão do que para mim, mas, o aperto de mãos uniu-nos para sempre, com esses laços que só a amizade, o carinho, o respeito e a admiração sabem atar.
Boa viagem, meu amigo querido, e não se esqueça desta sua princesa russa, deserdada e, agora, órfã também, deste outro lado do espelho, onde você a deixou.
Com amor
Ludmila Saharovsky
em 15 de abril de 2012- manhã de sol lindo e céu de brigadeiro para Dailor navegar

(xilo do artista plástico Arlindo Daibert, de onde saíram as colagens de Dailor)

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