Estações

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Ah, esse verão e seu calor materializando cheiros e suores ardentes e embriagando-me de luz. Essa quentura palpável que gruda na pele, que se corporifica numa espera pesada, sem vento, sem clemência, sem frescor. Essa estação repleta de pastos queimados de sol e de palavras morrendo de sede dentro da boca. Uma incandescência sem brisas nem concessões à uma sombra amiga, qualquer que seja. Uma febre que me transporta ao deserto em mim, a uma sonolência improdutiva, a essa dificuldade que as coisas paradas sempre provocam em nós. Uma inércia que se repete e me traz à lembrança outros tempos, onde, em meio aos pátios despidos da escola alemã de minha juventude, eu senti pela primeira vez esse entorpecimento. Era uma paisagem sem qualquer planta que a colorisse, com nenhuma sombra, nenhuma alma amiga para trocar confidências, ouvir e ser ouvida. Nela eu permanecia assim, letárgica, esperando passar mais um dia, e outro, e mais outro. Aquelas paredes caiadas de um cinza desbotado lembravam-me de meu próprio desalento e da dificuldade em aprender um idioma complexo que os pais obrigavam-me a estudar, deixando-me entregue à voragem daqueles dias de verão que transformavam palavras em letras ardentes ante meus olhos e os enchiam de lágrimas e de preguiça.
Olho pela janela e pressinto camelos levantando o pó sobre a areia escaldante das dunas que se multiplicam e multiplicam numa paisagem minimalista sem qualquer promessa de um oásis. Quem sou eu, me pergunto, envolta neste sudário de linho cru, caminhando em silêncio pelas ondulações arenosas sob meus pés cansados que carregam um fardo de carne e ossos? E para onde vou? Existirá um bosque refrescante além desta vidraça?
Dor? Nenhuma! Apenas a indiferença colorida por tons secos e um sol que às vezes é, simplesmente, um caleidoscópio multiplicando irradiações de tédio e de fastio. Assim como eu, a tarde indolente também se arrasta, cumprindo um itinerário de espera. Aguardamos, ambas, que a noite caia e nos resgate, e nos redima, e nos refresque, e nos envolva no estado de graça que traz em si. Ah! Essa leveza, essa bem aventurança de céu que finalmente reflete a luz fria da lua! Um céu repleto de estrelas e constelações. Ele abre-se sobre nós e brilha e nos conduz à quietude e ao silêncio, aos sonho e anelos. Esse céu que nos absolve das angústias e nos permite descansar…
Aguardo a noite ansiosa, porque ela me permite a fuga, ainda que momentânea, de compromissos e rotinas, de desertos e caravanas, de dunas e camelos. À noite dispo-me de mim. Desfaço-me do peso de meu corpo, de suas tantas sinas e permito-me sonhar com oásis e lagos repletos de água cristalina. Com garças alvas e peixes azuis. E tâmaras e figos frescos. E riachos e cascatas. E o vento trazendo enfim a chuva benfazeja. À noite impregnada de tantos mistérios, escura e veludosa, eu peço que me acalente e me embale. E, contrariando os instintos primitivos que nos levam a hibernar no inverno, quero adormecer agora, neste interminável verão…e despertar apenas quando se fizer, de fato e de novo, o inverno. (Ludmila Saharovsky)

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