José Menino

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José Menino – Uma pria perdida na infância

Filha de imigrantes, com parcos recursos para grandes viagens de lazer, férias para mim eram o acontecimento do ano. Passar uma semana na praia, Deus do Céu, como era bom!
Meus pais acreditavam que banho de mar possuía poderes terapêuticos e o sol ajudava a fixar o cálcio nos ossos, potencializando o efeito do óleo de fígado de bacalhau que eu engolia sob protestos, diariamente, tapando o nariz! Assim, mal despontava janeiro, passagens compradas antecipadamente, lá íamos nós até a Praça da Sé, embarcar em outro ônibus que nos levava até Santos.
Creio que nunca fui tão feliz como naquelas temporadas!
Percorrer a Serra do Mar, a estrada cheia de curvas, maravilhando-me com a paisagem, o nariz grudado à janela, vendo os anúncios passarem por mim, flutuando nas montanhas, era uma emoção inenarrável.
Tudo era mágico: a neblina, os precipícios, as altas pontes, os túneis, os automóveis que paravam na subida da serra com o motor “fervendo”, os ouvidos tamponados pela pressão. E depois o cheiro: Aquele odor ardido da Usina de Cubatão, cuspindo longas labaredas de fogo pela alta chaminé, anunciando que, finalmente, o mar estava próximo.
Nós sempre nos hospedávamos numa modesta pousada, de frente à Praia do José Menino. Tudo, a partir de então entrava num ritmo diferente: a rotina, o cenário, a comida, as pessoas, mas, sobretudo, os sentimentos. A felicidade podia ser tocada e o era. Ela deixava em mim marcas físicas: arrepios, o riso que não desgrudava da boca e uma certa angústia em ver que não podia interferir na passagem do tempo e fazer de conta que os dias de verão nunca terminariam!
O pai e a mãe, descontraídos, vestiam-me com roupas novas e íamos passear na orla. Tirávamos os sapatos e deixávamos que as ondas se quebrassem sob nossos pés descalços, saboreando picolés de coco e chocolate, meus predileto! E havia a lua, imensa, refletida na água! Pela manhã, bem cedo, o perfume do óleo de bronzear já enchia o corredor, saindo de todos os quartos. Nas mesinhas do refeitório, bananas, suco de laranja, café ralinho, pão e as bolinhas geladas de manteiga eram um verdadeiro manjar dos deuses! Depois, o chapéu de palha, os tamancos de solado de madeira, óculos “gatinho” e a obrigatória saída de banho confeccionada em algodão branco e felpudo eram acessórios que não podiam faltar. Ah! e havia também a boia preta, aquela velha câmara de pneu, gorda de ar, que o dono da pensão nos emprestava para brincar nas ondas.
Os guarda-sóis começavam a surgir, mas eram poucos, assim como as esteiras feitas de palha; mas havia as sombras de árvores disputadas por brancas mães e avós, apertadas em seus maiôs de lastex e cercadas por crianças barulhentas e felizes como eu! Poucas horas depois, e o sol já ardia na pele, assim, com as bochechas afogueadas, nariz lambuzado de pasta d’água, cabelos endurecidos pelo sal das ondas e o fundilho do maiô cheio de areia compactada, eu voltava à pensão, rezando para que não houvesse fila aguardando a vez de entrar debaixo da ducha comunitária, instalada no corredor. Minha pele ardia demais sob a mistura de óleo, sal e areia!
Após o almoço de salada, arroz com feijão, macarrão e frango geralmente ensopado, a sesta era obrigatória. O dia, dividido em dois, durava o dobro, pois à tarde a maratona se repetia. O regresso pra casa era triste demais, mas, a certeza de que outro janeiro em breve chegaria, espantava as lágrimas e a contagem decrescente dos dias começava ali mesmo. Hoje, essas recordações passam por minha cabeça, feito filme, e eu me espanto:Era eu mesma a protagonista?
Digam-me, por favor, a quem posso pedir de volta minha infância?

(Ludmila Saharovsky)
cronica publicada no jornal O Valeparaibano

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