Desejos, pássaros e flores

13680924_1080936808628496_8719622908638730153_n
Havia desejos que sobrevoavam o jardim aguardando o momento de pousar nas flores que eu bordava.
As linhas preenchiam pétalas e folhas, enquanto os desejos observavam minhas mãos tecedoras anelando por mais sumos e odores.
Bordei dálias. Bordei crisântemos.Bordei jasmins.
O pano já rescendia a mil aromas. E quando os desejos, enfim, sossegaram, uma revoada de pássaros soltou-se de meus dedos. (texto de Ludmila com Imagem de Michelle Kingdom)

    

    Quisera escrever-te um soneto

    poema liquefeito
    Quisera escrever-te um soneto
    mas me faltam rimas.
    Vestida de palavras
    penetro no silêncio
    que nas estrofes reina
    e, em meio às linhas
    surge teu nome
    liquefeito.
    Ele abre-se em mim
    flor de algodão e arpejos
    e o poema nasce, rutilante.
    Ele escorre feito mel e me alimenta.
    Só assim consigo concebê-lo:
    Em transe!

    (Ludmila)

      

      Ternura antiga

      corpo mulher

      Ternura antiga

      Eu te convido à minha casa. Entra!
      Pousa teu olhar sobre as videiras.
      Eu as plantei para saciar-te a sede.
      E o pão também é teu
      São teus o vinho e o lume.
      Para consagrar-te nao construi altares
      Só te falei numa linguagem pura
      E a essencia do amor selou o entendimento
      E teu corpo estremeceu dessa ternura.
      (Ludmila)

         

        Pedra da Memória

        pedra
        “Acordar não é de dentro.
        Acordar é ter saída.”
        (João Cabral de Melo Neto)

        Tudo dorme. Em mim tudo dorme: veias, nervos, poros, linfa.
        A noite encantou meus olhos quando a primeira estrela fixou-se nas retinas.
        A noite apossou-se de meu corpo e em ondas inundou-me de silêncio. Este, criador, onde tudo germina.
        E o tempo regressou da Eternidade e trouxe consigo a pedra da memória que se fechou, impenetrável, sobre o meu plexo.
        Alguém decifrará minhas cantigas, minhas palavras de amor e de alegria? Meus sonhos, fantasias, meus delírios?
        Caminho na noite com a pedra da memória imersa em meus ossos. Eu, seu fóssil. Eu: a pedra, a memória e a rota. Eu: o silêncio, a noite e o norte.
        Tudo que é vivo dorme em mim. Tudo dorme.
        “Acordar é ter saída?”
        (Ludmila)

          

          Lugares de antes

          12006376_10207493693643274_4288304166382472671_n

          Um longo e estreito corredor levava aos fundos daquela casa de minha infância. “Fundos” lia-se na rara correspondência que lá chegava. Da pequena janela avistavam-se outras, tímidas, de venezianas sempre verdes e sempre semi cerradas preservando a preciosa intimidade. Caminho por esse corredor de volta ao meu quarto de menina. Meu e dos avós. Tento delinear sua presença entre aquelas paredes, mas os mortos partem sem deixar vestígios ou qualquer tênue sinal da vida que por ali passou. A menina que lá viveu também se foi. Perdeu-se num recanto inacessível do passado, como as dálias, as abelhas, o negro cão de olhar sempre alerta, os grilos cantores, as preciosas joaninhas, as pedras do jardim. Mas a luz continua a entrar pelas frestas da janela. A luz que revela as mesmas lágrimas de uma saudade antiga. Essa, que insiste em sobreviver. (Ludmila)

            

            Mar de dentro

            251509_224725037538297_1174021_n
            Eu era o mar por onde navegavas: cintilação, estrela, nuvem, alga, quimera, feixe de luz, barco de espuma, bruma.
            Teu corpo envolto por um sopro azul flutuava no itinerário lento das marés. E um manto de escamas o recobria.
            E havia dunas e aves que sonhavam ultrapassar a inatingível linha do horizonte.
            E havia o vento que varria as nuvens, que encrespava as ondas, que levantava a areia, que me dilacerava as entranhas.
            Em ti dançava o sal das águas e em mim o medo cego dos naufrágios. (Ludmila)

              

              Ave, poesia!

              14355583_1257440557619637_1813643980717461892_n
              Há certos momentos obsessivos em que intuo tua presença que em mim lateja. Estrelas preenchem meus olhos e a lua é foice de luz que me atravessa a alma andarilha. Fecho os olhos para ouvir-te e tua canção é sangue que alimenta minha loucura. Na catedral que ergo em mim para adorar-te, esse fervor coagula minhas crenças e tua rude beleza então se revela. Ave poesia! (Ludmila)

                 

                Há dias em que escrever não basta.

                14264105_1249635728400120_8444050709089509569_n
                Há dias em que escrever não basta.
                É quando uma estaca crava-se no peito e emudecem as palavras.
                A mão pende, inativa. Reflui a canção na boca. A tristeza entra pelo papel, áspera, profunda e o exílio me toma em seus braços.
                Fujo de mim. Mas quem foi que cortou o cordão umbilical que me ligava aos sonhos? (Ludmila com ilustração da Internet)

                Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...