Árvore Adentro – Octávio Paz

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Cresceu em minha fronte uma árvore.
Cresceu para dentro.
Suas raízes são veias,
nervos suas ramas,
Sua confusa folhagem pensamentos.
Teus olhares a acendem
e seus frutos de sombras
são laranjas de sangue,
são granadas de luz.
Amanhece
na noite do corpo.
Ali dentro, em minha fronte,
a árvore fala.
Aproxima-te. Ouves?

(Trad. Antônio Moura)

    

    Alice Ruiz

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    Nefer Never – ALICE RUIZ

    nefer nefer nefer
    bela bela bela

    uma nuvem talvez
    desenha
    o desejo em minha pele
    toma
    a forma do teu corpo
    e me revela

    minúsculos imãs
    atraindo espaços
    pela boca seda
    pela pele rima
    pelos pelos sede

    neve e fogo
    força e febre
    no movimento
    o silêncio se bebe
    e se embriaga

    agora
    aqui
    no dentro do outro
    estilhaços de estrelas

    pleno de si
    esse cio
    eterno início
    nunca se sacia

    nunca nunca nunca
    never never never

    (De meu livro “Dois em Um”)
    Além da vida, ela mesma, a inspiração desse poema veio de um livro “O Egípcio” de Mika Waltari, onde uma das personagens, Nefer Nefer Nefer, que em egípcio significa Três Vezes Bela, diz ao seu apaixonado que a perfeição do amor é nunca realiza-lo. (Alice Ruiz)

      

      Canção de Maria

      Sepulcro santo

      Em que encaixe desta cruz
      Insere-se meu drama?
      Em que jazigo, em que mortalha,
      em que sudário? Eu penso
      enquanto teço este linho
      Que cobrirá teu corpo solitário.
      Ah! O suplício de ver-te abatido
      por essa lança a atravessar também meu peito.
      Perdão, peço, meu Pai, não sei o que faço
      Quando Lhe imploro que mude teu calvário!
      Sei que tua fome e sede por justiça
      Levaram-te à Via Crucis que hoje segues
      Mas…esse vinagre untando o talho aberto
      E essa coroa de espinhos que te veste
      Refletem em mim a dor toda que sentes
      Por esses homens que seguem ignorantes…
      Sou uma dentre tantas mulheres da Judéia
      Que choram sobre os corpos
      De seus filhos mortos,
      pelas vidas que teceram e se consomem
      em lutas, traições e injustiças
      No solo seco dessa Palestina
      No solo seco desse mundo inteiro
      Que Páscoa alguma, nunca, ressuscita!

      (Ludmila Saharovky – Publicado no longínquo ano de 1980 no
      Diário de Jacareí)

          

        Infinito Pessoal

        Desvio dos teus ombros o lençol,
        que é feito de ternura amarrotada,
        da frescura que vem depois do sol,
        quando depois do sol não vem mais nada…

        Olho a roupa no chão: que tempestade!
        Há restos de ternura pelo meio,
        como vultos perdidos na cidade
        onde uma tempestade sobreveio…

        Começas a vestir-te, lentamente,
        e é ternura também que vou vestindo,
        para enfrentar lá fora aquela gente
        que da nossa ternura anda sorrindo…

        Mas ninguém sonha a pressa com que nós
        a despimos assim que estamos sós!

        David Mourão-Ferreira, in “Infinito Pessoal”

          

          Herberto Helder

          Durante a primavera inteira aprendo
          os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto
          correr do espaço
          e penso que vou dizer algo cheio de razão,
          mas quando a sombra cai da curva sôfrega
          dos meus lábios, sinto que me falta
          um girassol, uma pedra, uma ave qualquer
          coisa extraordinária.
          Porque não sei como dizer-te sem milagres
          que dentro de mim é o sol, o fruto,
          a criança, a água, o leite, a mãe,
          o amor,

          que te procuram.

          (Herberto Helder)