Contos Mínimos: As pedras de Drummond

Fui recolhendo as pedras que Drummond deixou pelo caminho.
No princípio guardei-as em caixas.
Depois enchi baús, armários, canastras, gavetas, prateleiras.
Espaços ocupados, passei a empilhá-las pelo chão.
Com o passar do tempo surgiu em casa imensa cordilheira.
Hoje resolvi: comprei botas, mochila, cordas, mantimentos.
Ao nascer do sol, inicio a escalada!
(Ludmila)

PS. E vocês, o que fariam com as pedras deixadas por Drummond?

    

    Apetites

    (Imagem Internet)

    “A palavra cria o real, ou será a realidade um conjunto de alucinações?”
    (Murilo Mendes)

    A planta carnívora, garantiu-lhe a vendedora, alimentava-se exclusivamente de insetos.
    Levou-a para casa confiante: moscas, cupins, traças, percevejos, pernilongos, nunca mais!
    Adeus flite, detefon e derivados. Cresciam as folhas. Aumentava o apetite das flores, de bocas sempre escancaradas. Sumiram de casa as lagartixas. Desapareceram os periquitos. A empregada evaporou sem deixar vestígios. Parado frente à porta, treina o homem para ser mais rápido que o bote.
    (Ludmila em Desenredos)

      

      Desenredos: Onde a inspiração?

      (imagem Mark Sink)

      O escritor pensou que sonhava, mas, a pequena figura cintilante não desapareceu quando ele esfregou os olhos: um pássaro? um anjo? uma fada? Aproximou-se tentando contato e a presença desapareceu. No dia seguinte, a mesma história. E no outro, e outro ainda.
      A novela inacabada aguardava o desfecho, mas o homem, preocupado com o intruso, só pensava em como capturá-lo. O alçapão armado entre as ramagens não se percebia, e assim, o plano deu certo.
      Presa entre os ferrolhos da gaiola, jazia a inspiração. (Ludmila)

        

        Contos Mínimos: A colecionadora

        Colecionava conchas: Em vidros, potes, colares, adereços, nos mais variados formatos, de diversos tamanhos e procedências. A predileta ficava sempre à mão sobre o criado mudo. Assim, com a chegada da noite, acostumou-se a dormir ouvindo o barulho das ondas ecoando do orifício perolino. A transformação começou lenta. Tênues surgiram as primeiras escamas. Uma pele cintilante envolveu-lhe os membros inferiores. Os pés alargaram-se numa profusão de cartilagens maleáveis. Hoje, a sereia canta feliz em sua banheira, enquanto o dia amanhece… (Ludmila Saharovsky)

          

          Contos Mínimos:Esperando o namorado


          (foto by Jan Saudek)

          Finalmente chegara o tão aguardado dia.
          Daria ao namorado um retrato seu, para que a carregasse sempre junto, na carteira.
          Arrumou os cabelos, acertou as sobrancelhas, maquiou-se caprichosamente.
          Entrou na cabine de fotografia e ensaiou sua melhor pose.
          Retrato na bolsa, suspirou feliz.
          Agora, só lhe faltava o namorado…

          (Ludmila Saharovsky, do livro Desenredos)

            

            Dromedários em minha sala

            O primeiro ruminante que ganhei, chegou numa caixa finamente embrulhada. Coloquei-o junto à manada de elefantes que habitam um oásis em minha sala. Sua adaptação ocorreu lenta. Diariamente eu o percebia com olhar vagando pelos tapetes, pensando em suas areias natais. Em vão eu lhe tocava minha cítara. Em vão dançava ao seu redor, as velas acesas lembrando fogueiras no deserto. Sua tristeza não diminuía… Eis que, de repente, dois outros dromedários chegaram, provenientes da mesma manada…e o encontro foi fascinante. Hoje, encontrei os três pastando sob a sombra dos bonsais, rememorando, quem sabe, a das seculares palmeiras do Saara.

            (Ludmila Saharovsky)

               

              Insônia

              O que fazer com essas tantas (tontas) idéias brilhantes revoando em minha cabeça?
              Preciso urgente de um chá de cravo e folhas de macieira para ver se elas se acalmam e me deixam dormir, ou se viram Pi* Ri* Lam* Pos* de uma vez por todas!
              (Ludmila)

                

                Tigresa


                (tela de Marc Chagall)

                “Uma tigresa de unhas negras
                E íris cor de mel
                Uma mulher, uma beleza
                Que me aconteceu…”
                (Caetano Veloso)

                Apaixonou-se.
                Trouxe-lhe flores, que ela devorou no primeiro encontro.
                Levou-lhe frutas, que ela devorou no segundo encontro.
                Presenteou-a com um lindo coelho branco, que ela devorou no terceiro encontro.
                No quarto, em delírio, entregou a si próprio, à fome insaciável da tigresa.
                (Ludmila Saharovsky)

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