Clarice Lispector

Hoje, 10 de dezembro, aniversário de nossa musa maior da literatura: Clarice Lispector.

“Nasci dura, heróica, solitária e em pé. E encontrei meu contraponto na paisagem sem pitoresco e sem beleza. A feiura é o meu estandarte de guerra. Eu amo o feio com um amor de igual para igual. E desafio a morte. Eu – eu sou a minha própria morte. E ninguém vai mais longe. O que há de bárbaro em mim procura o bárbaro e cruel fora de mim. Vejo em claros e escuros os rostos das pessoas que vacilam às chamas da fogueira. Sou uma árvore que arde com duro prazer. Só uma doçura me possui: a conivência com o mundo. Eu amo a minha cruz, a que doloridamente carrego. É o mínimo que posso fazer de minha vida: aceitar comiseravelmente o sacrifício da noite.”
Clarice Lispector (1920-1977)

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    Que mistério tem Clarice?


    Leio nos jornais que a obra de Clarice Lispector está sendo discutida em Nova York, quase 28 anos após sua morte ( dez.1977). Clarice, essa criatura linda, misteriosa e intensa, transmitiu-nos através de seus escritos, conceitos que possibilitam inúmeras interpretações pessoais, de acordo com nossas próprias idiossincrasias, dos mistérios da vida. Eu a conheci num longínquo janeiro de 1972 ( ou seria 73?), sentada numa pracinha, no calçadão do Leme, o olhar perdido no horizonte. Foi assim: Todas as férias de verão, passávamos, eu e as crianças, em Copacabana, no apartamento da família. Explorar as inúmeras livrarias, garimpando exemplares pela sonoridade dos títulos, tornou-se uma deliciosa rotina de todas as tardes, através da qual acabei conquistando a amizade de um livreiro. Foi seguindo sua orientação que adquiri o livro “Felicidade Clandestina” e comecei a leitura naquele mesmo dia, enquanto as crianças brincavam ao meu redor à sombra esparramada de um “chapéu de sol.” O conto, “O ovo e a galinha” me surpreendera. “De manhã, na cozinha sobre a mesa vejo o ovo. Olho o ovo com um só olhar. Imediatamente percebo que não se pode estar vendo um ovo…O ovo não tem um si mesmo. Individualmente ele não existe. Por isso a galinha é o disfarce do ovo…” Que loucura! pensei. Fechei o livro, tentando assimilar aquele significado e só então me dei conta de que, do banco ao meu lado, uma mulher me observava. Gostou do livrro? Perguntou-me, carregando nos erres. Ainda não sei. Acabo de comprá-lo. Tem uma linguagem diferente de todos os que tenho lido. E o que gosta de lerr? Gosto de Osman Lins, de Nélida Piñon, da poesia de Hilda Hilst. Gosto de escritores que inovam a linguagem, prossegui, animada em poder fazer-lhe algumas confidências. (Porque será que confidenciar a estranhos é sempre mais fácil?) Sabe, eu comecei a escrever crônicas para o jornal de minha cidade, então vou aprendendo com esses autores, uma nova maneira de dizer as coisas… Isto é ruim, disse-me ela . Você só se transforma num bom escritor quando perde o medo de expor suas próprias idéias, quando aprende a contar sua história com suas palavras. A senhora é professora de literatura? perguntei . Não. Sou Clarice Lispector. Escrevi o livro que você está lendo. Olhei-a com atenção e espanto. Uma mulher de pele muito alva, o rosto marcado por uma cicatriz de queimadura. Magra. Os olhos claros num corte oblíquo refletiam um olhar triste. A voz grave, de fumante. Bonita? Não diria… Feia? Também não! Uma mulher forte, de presença marcante. Ao saber quem era, intimidei-me. Creio que era a primeira vez em que me deparava com uma escritora, assim, olho no olho, cuja obra eu ainda desconhecia. Como prosseguir a conversa? Passado algum tempo em silêncio, ela levantou-se e despediu-se, dizendo mais para si mesma, do que para mim: Escrever é olhar as velhas coisas com novos olhos. Boa sorte! Nunca mais a vi. Voltei inúmeras vezes àquele banco, perguntei por ela na vizinhança. Ninguém soube me dar qualquer informação, mas, a partir daquele encontro, algo em mim se modificou. Tornei-me sua leitora voraz. E assumi seus conselhos. Há trinta anos venho me expondo nas páginas de revistas e jornais, numa relação de troca com vocês, leitores, nesta feliz triangulação amorosa entre autor, texto e leitor e agradecendo sempre à Clarice por este aprendizado. ( Cronica Valeparaibano/2005) (Ludmila Saharovsky)

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