Aos amigos

Amo os meus amigos silenciosamente. E, às vezes, declaradamente. Amo os que leem e os que não tem tempo para os livros, mas não economizam tempo para mim. Amo os que anseiam por encontros e os que preferem manter-se cativos entre as quatro paredes de seus lares de portas sempre abertas. Amo os de prosa livre e leve, mas também os que me carregam junto para as profundezas de suas dúvidas, dores e mistérios. Amo os de riso fácil e também os que sorriem apenas com os olhos. Tenho com eles um pacto que transcende palavras e se manifesta em atos de compreensão e solidariedade. As iniciais de seus nomes compõem a minha gramática afetiva e as minhas preces. Eles são os tijolos do meu templo vivo. Minhas raízes de fixação na terra. Meu maná e o vinho de minha comunhão na liturgia da vida.
Feliz Páscoa a todos vocês que me acompanham nos mistérios dessa paixão revivida a cada ano. E feliz Ressurreição!

(Ludmila, com foto da Internet)

595ebfd52a374521ea9139e87fd5--podarki-k-prazdnikam-pashalnoe-yajtso-vremena

    

    Anotações dedicadas a Kherima (final)

    IMG_3931

    Chegamos juntos ao Museu, pois o prof. Victor Staviarski me deu carona.
    Eu, de ansiedade, nem havia dormido direito, aguardando que amanhecesse. E finalmente… amanheceu.
    O que eu esperava que acontecesse no Museu? Não sei. Não havia nada que me ligasse àquela personagem, a não ser a curiosidade; nada de relevante que eu quisesse lhe perguntar. O que ela teria para me dizer? Se é que diria algo… Assim, ao mesmo tempo em que tentava não alimentar qualquer expectativa, ansiava por alguma surpresa fantástica!
    Durante nosso trajeto, da Tijuca até o Alto da Boa Vista falamos pouco sobre Kherima. O prof. não queria me impressionar relatando fatos que, depois, me mostrou durante a nossa entrevista em sua casa. E que fatos!
    Chegamos à sala onde estava o sarcófago coberto por uma tampa de vidro. Prof. Victor pediu a dois auxiliares que arrumavam a sala para que o ajudassem a retirá-lo e a pousá-lo sobre o chão.
    kherima-uma-mumia-feminina-do-periodo-romano-seculos-1-a-3-dc-1522780545733_956x500
    E eu me aproximei. Do sarcófago vinha um cheiro estranho, adocicado, misto de cravos, cera de abelha e pele queimada. Eu fechei meus olhos e coloquei minhas duas mãos sobre sua cabeça embalsamada. E então eu a vi. Estava comigo dentro do tempo, e o tempo não tinha passado nem futuro. O tempo era o eterno presente.
    Ela era jovem, linda e vestia uma túnica leve, branca, presa à cintura por uma faixa azul celeste. Os cabelos, longos, negros, caiam soltos sobre os ombros. Os pés calçavam sandálias simples.
    Eu me via jovem como ela e vestia também uma túnica clara. O sentimento que me tomava era de muito amor e alegria pelo nosso encontro, como se fossemos irmãs há muito separadas.
    Estávamos numa sala ampla, de paredes brancas, de frente para uma janela, emoldurada por uma cortina reta, feito um painel que subia e descia movimentado por cordas, roldanas e pesos nas pontas. Eu percebi o mecanismo, porque Kherima aproximou-se e desceu a cortina, dando a impressão de que não queria que fossemos observadas. Mas, da porta entreaberta ao lado da janela, eu podia observar um pátio circular rodeado por casas como se fossem escavadas em pedras. No centro havia um altar grande, num formato piramidal, ao qual se subia por escadas colocadas nas suas quatro faces atingindo o topo aonde deveria acontecer alguma cerimonia. A sensação era de que estávamos prestes a participar de um evento festivo ou de um ritual.
    Chegando bem perto de mim, ela me olhou fundo nos olhos e disse:
    “Não se preocupe com as crianças. Eu estou cuidando de meus filhos e de você. Tudo vai dar muito certo. Não tema a água. A água é vida.” Me abraçou, me deu um beijo na face e saiu pela porta lateral.
    No pátio externo, um rapaz aproximou-se dela, enlaçou-a pela cintura e os dois desapareceram em meio à aglomeração que se formava. Ela não olhou para trás e eu não os segui. Permaneci naquele cômodo amplo, bem ventilado, iluminado pela luz da manhã, com uma tristeza na alma ante a certeza de que não mais a veria.
    Três meninos entraram no cômodo e vieram me abraçar.
    De repente ouvi uma voz me chamando pelo nome e entrei numa espécie de redemoinho. Eu não queria sair de onde estava e voltar. A sensação de leveza e de tranquilidade que me tomava era muito grande, mas a voz insistia: “Ludmila…Ludmila…volte!”
    E eu voltei. Voltei à sala do Museu e à presença do professor Victor, preocupado, me tomando as mãos, geladas, e me repreendendo pelo tempo em que permaneci fora de mim: 45 minutos. A impressão que tive era de que não haviam se passado nem 5…
    Eu lhe contei o que havia vivenciado e que não tinha entendido aquela mensagem.
    Eu tinha 4 filhos: duas meninas e dois meninos. De que crianças ela havia me falado, e porque apenas três meninos vieram até mim? Quem eram eles?
    Hoje, até sei, mas, há 42 anos, pelo sim pelo não, fiquei muito feliz em saber que as crianças estariam bem cuidadas, fossem de quem fossem.
    Quando meu caçula passou no vestibular e foi cursar a faculdade de oceanografia lá no Rio Grande do Sul, pois escolheu passar a sua vida explorando o mar e lançando-se em suas profundezas, perdeu, logo no primeiro ano, um grande amigo de turma que mergulhou e não mais voltou à superfície. Demoraram meses para achar seu corpo enganchado em pedras e algas.
    Tomada por grande comoção eu só queria que ele largasse o curso e regressasse para casa, então, lembrei-me da mensagem de Kherina: “ Não tema a água. Água é vida… Estou cuidando de meus filhos e de você.” Só então eu entendi. E confiei.
    Depois dessa experiência no Museu voltamos para Tijuca, mas antes passamos pela casa do professor. Ele me levou ao seu escritório e mostrou caixas e pastas com imagens incríveis de pessoas que tiraram fotos junto ao sarcófago, e Kherima aparecia ora pairando por cima deles, em algumas; noutras ela simplesmente desaparecia – o sarcófago que a continha estava vazio. Li relatos de mulheres que menstruaram ao contato com a múmia, outras que viveram experiências inusitadas: encontros com parentes que haviam morrido em acidentes, com filhos que se viciaram em tóxicos e partiram. Li relatos de reconciliações de filhos que se desentenderam e se separaram dos pais há muito tempo, de pessoas que tiveram acalmadas angústias muito íntimas, de outras que apenas passearam a seu lado e ouviram-na tocar um instrumento parecido com cítara, sempre em cenários semelhantes aos que eu havia descrito.
    Ao comentar com o Professor sobre o odor forte de carne queimada que eu sentira, ele me contou que os raptores de Kherima a esfaquearam até a morte e preparavam-se para atear fogo ao seu corpo, mas seu noivo chegou em tempo de resgata-la já com as extremidades dos dedos dos pés em chamas.
    Chorei. Chorei muito pelo triste destino daquela princesa que veio parar tão longe dos seus e não tinha como voltar, tornando-se uma atração museológica e trazendo centenas de pessoas para conhece-la, confinada naquela sepultura.
    Dia 2 de setembro, novamente, o fogo a consumiu. Desta vez, definitivamente.
    Hoje à noite, depois de passados tantos anos, eu sonhei com Kherima. Ela apenas me sorriu…

      

      Anotações dedicadas a Kherima (parte 1)

      40672663_2035016216528730_6283121783465836544_n

      Era o ano de 1976. Meus sogros moravam na Tijuca, na rua Henrique Fleiuss, e eu com os filhos pequenos passava com eles todas as férias de verão. Saíamos de Jacareí antes do Natal e retornávamos em março, com o início das aulas escolares. Foi um tempo muito feliz, quando conheci pessoas muito interessantes, entre elas, Guimarães Rosa, amigo de longa data do padrinho de meu marido e presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, dr. Raul Floriano. Dr. Raul residia num lindo palacete, cujo segundo andar inteiro era ocupado por sua biblioteca. Todas as noites, após o jantar, nos reuníamos para tomar um licor “digestivo” de jabuticaba e conversar, com seus convidados sobre literatura, novos autores e os clássicos, seus muito queridos.
      Eu havia começado a escrever crônicas para o jornal O Combate e me sentia importante demais nesta função. Aliás, só quem escreve sabe da satisfação de ver seu artigo publicado, ainda mais numa coluna pessoal. Dr. Raul e d. Lilica (Cecília) sua esposa, sem filhos, me adotaram e apadrinharam. Dr. Raul corrigia meus textos, dava dicas de assuntos interessantes, me apresentava aos seus amigos como “essa menina, mal saiu da adolescência e já virou cronista”. Eu não cabia em mim de alegria e me empenhava em escrever cada vez mais e melhor! Foi Dr. Raul quem me presenteou com um raro e esgotado exemplar do Dicionário de Palavras Afins, que guardo e consulto até hoje, e também com obras autografadas de Drummond, mineiro como ele e seu grande amigo, Rachel de Queirós, Osman Lins, Affonso Romano de Sant’anna (colega de meu então marido no Instituto Granbery de Juiz de Fora). Foi ele também quem me apresentou a outro vizinho de rua, que como nós participava dessas reuniões: Professor Victor Staviarski, membro da Sociedade dos amigos do Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, egiptólogo e um homem de muitas e incríveis histórias. Prof Victor havia começado a dar cursos de egiptologia e escrita hieroglífica, na seção de egiptologia do Museu ao som de óperas como Aida, de Giuseppe Verdi, e contava uma incrível história sobre a múmia apelidada de Kherima, que fora trazida ao Brasil num caixote de madeira em 1824. Dois anos depois, ela foi arrematada em leilão por Dom Pedro 1º, que a doou ao então Museu Real, fundado em 1818 e instalado à época no Campo de Santana, na região central da cidade do Rio de Janeiro.
      Kherima destacava-se por apresentar um tipo de enfaixamento muito diferente do usual: seus pés estavam enfaixados em separado, e não juntos, e havia uma “rede de Osiris” sobre seus órgão sexuais, e não sobre o coração, como mandava a tradição dos embalsamentos, para que o Osíris o principal deus do panteão funerário e Grande Juiz no Tribunal da pesagem do coração, entendesse e perdoasse as suas faltas. “No caso de Kherima, esta rede foi colocada no baixo ventre para preservar a sua virgindade”, explicava o Prof. Até então, ela não tinha nome. Era identificada apenas com o número que lhe fora atribuído no leilão.
      Pois bem, a historia que o Prof. Victor nos contou naquela noite, foi a de que recebera uma carta de uma jovem lhe agradecendo por tê-la salvo do suicídio. Era uma de suas alunas, e lhe escrevera porque, deprimida, havia passado muito tempo juntando remédios para tomar e dormir para sempre. Numa das aulas, em que o prof. permitia que os presentes tocassem a múmia, ela o fez e imediatamente entrou em transe: a mulher mumificada a guiara em sua própria morte, por lugares horríveis, segundo ela, destinados aos suicidas. O terror pelo qual a moça passou fez com que chegasse em casa e jogasse fora todos os comprimidos, escrevendo em seguida ao professor.
      A este caso, seguiram-se outros, com cartas vindas de diversos lugares do Brasil e pessoas indo ao Museu para ver e tocar a múmia. Um desses grupos pediu ao professor, licença para fazer uma reunião espírita junto ao sarcófago. Foi quando Kherima revelou seu nome. Era, na verdade uma princesa egípcia, herdeira do trono, uma vez que sua antecessora não tivera filhos, e que tramou seu assassinato. Ela fornecera datas, nomes, local do atentado, e a explicação para a rede de Osiris colocada sobre seu baixo ventre: Fora feita por seu prometido que queria preservar sua virgindade para o encontro de ambos numa vida futura. O Prof. Vitor, munido dessas informações conseguira entrar em contato com o Rei Farouk, indo ao Egito e confirmando as informações sobre Kherima, viagem que descreveu num livro intitulado “Kherima, o mistério de uma princesa”.
      Não preciso dizer a vocês que saí impressionadíssima com esta história e perguntei ao Prof. se eu também poderia tocar a múmia e ver que experiência eu teria. Ele permitiu, assim, numa segunda feira, dia em que o Museu permanecia fechado para a visitação pública, nós fomos lá e a experiência que eu vivi, publiquei nessa matéria da Revista Jacareí de 1976. Vou reconta-la para vocês em breve!

         

        Em nome do Pai

        Wladimir Saharovsky, meu pai

        Wladimir Saharovsky, meu pai

        Convivendo com o pai, desenvolvi anticorpos que me afastam definitivamente de toda e qualquer bebida destilada. E como ele as consumia prazerosamente! Por causa de sua outra paixão, herdei uma biblioteca dos clássicos russos, escritos no idioma original: Tolstoi, Lermontov, Dostoievski, Pushkin, Gogol, Anna Ahmatova, Marina Tsvetaieva.
        Com esses autores, busco exercitar a língua materna, receosa de esquecê-la. Tenho comigo que, se isso ocorrer, meu sentimento de orfandade será maior, tornando-me estrangeira dentro de mim mesma.
        Essa literatura me insere numa dimensão de luz em que escuto vozes, frases, comentários que ouvi milhares de vezes durante boa parte da vida. Só quem domina um idioma por origem, e dele é afastado, saberá do que eu estou falando.
        O pai costumava reler especialmente Guerra e Paz, Crime e Castigo, Anna Karerina e Irmãos Karamazov. Volta e meia eu o via mergulhado nessas obras sobre as quais sempre tinha algo a dizer. Os personagens integraram-se ao meu cotidiano, habitando-o com uma desenvoltura de quem fazia parte da família.
        O que mais me tocava diante das releituras de Wladi (jamais chamei o pai de pai, e sim pelo diminutivo do seu nome próprio, Wladimir) era que ele se emocionava com as histórias como se nunca antes as tivesse lido. Sinto que isso acontecia porque ele se reencontrava com a sua alma russa. Essa essência coletiva não só empolgada e arrebatada, mas também imersa desde a mais remota idade em batalhas físicas e morais! Há nela entrega e temor a Deus. Súplicas de redenção e arrependimento pelas falhas cometidas em momentos de luxúria, cupidez, covardia.
        A admiração de Wladi pelos autores patrícios era tamanha que extrapolava os limites dos romances. Ele devorava também suas biografias e os ensaios sobre a literatura de cada um, tentando conhecer a fundo os temas que lhes eram caros e as suas angústias existenciais, como forma até, quero crer, de se desculpar das suas próprias e inúmeras fraquezas.
        Quando o levei para o hospital, sobre a mesinha de cabeceira do seu quarto, vi aberto o romance Ressurreição. Nele, Tolstoi procurou criar um novo homem, com maior lucidez, tentando conduzir os povos a uma harmonia utópica, a uma ética que infelizmente só se concretizou nas ficções.
        Wladi partiu há muitos anos, quem sabe em busca de uma realização de todas essas quimeras tão peculiares à alma russa ou, quiçá, a todas as almas sensíveis de qualquer parte deste mundo, que hoje tanto me amedronta!
        Que saudade, meu pai!

        (Ludmila, do livro “Cem crônicas escolhidas e alguns contos clandestinos,” que será lançado em outubro.)

          

          Palestra na Sala Ariano Suassuna

          Abrindo as atividades de segundo semestre nas escolas municipais de Jacareí, fui convidada pela secretária de educação, Maria Thereza Cyrino para falar aos professores da rede pública sobre a minha experiência com a escrita.
          E eu lhes contei como a literatura entrou em minha vida, ainda na mais tenra infância, no campo de refugiados na Áustria, onde nasci. E foi uma experiência ímpar. Eu nunca havia falado para um auditório tão cheio e de pessoas tão atentas. A seguir publicarei alguns trechos de minha palestra:

          palestra 8

          palestra7

          37716494_1795765483846005_965396648278622208_n

          Eu nasci no pós guerra, num campo de refugiados de nome Lager Parsch, na cidade de Salzburgo, na Áustria.
          Vocês podem imaginar um começo de vida na pobreza mais franciscana? Meus pais e avós paternos, como a maioria dos refugiados, perderam tudo durante a segunda guerra: perderam amigos, parentes, perderam sua casa, seus objetos de valor, roupas, livros, documentos. Só não perderam a vida e a vontade de viver e reconstruir tudo, que recomeçou para eles com o casamento de meus pais e o meu nascimento.
          Todos, naquele campo, como nós, levavam uma vida extremamente diferente em todos os sentidos. Não havia emprego qualificado, não havia salário, vivia-se de gorjetas pelos serviços prestados e na verdade, também não tinha o que comprar. Morávamos em barracões construídos para nos abrigar e que eram divididos por várias famílias.

          5 Lud Lager Parsch

          A cozinha e os banheiros eram comunitários. Qualquer objeto abandonado na rua servia de material de troca ou de matéria prima para as necessidades mais prementes. A minha roupa era feita com reformas de outras roupas doadas para nós, que a mãe e a avó reformavam. Os brinquedos também eram confeccionados da mesma forma: eram bichos de pano, com moldes inventados ali, pelas costureiras. Os carrinhos para os meninos eram feitos de sucata. Os brinquedinhos de madeira eram confeccionados pelos mais habilidosos nas horas vagas. E havia também as doações do povo austríaco.

          minha avó, a primeira à direita, na oficina de brinquedos em Salzburg

          minha avó, a primeira à direita, na oficina de brinquedos em Salzburg

          Depois da guerra, os russos que fugiram do regime soviético e se espalharam pela Europa, e se alistaram no exercito alemão na esperança de que, vencendo a guerra, os alemães extinguissem o regime comunista, não podiam ser repatriados, porque seriam executados, como muitos foram. Assim, a quantidade de russos que se tornaram exilados era enorme. Para abriga-los foram construídos os campos de refugiados, administrados pelos países aliados: França, Inglaterra e Estados Unidos. Minha família foi enviada para o campo administrado pelos Estados Unidos.

          2a salzburg Lager Parsch

          Era uma sequencia de barracões. Cada barracão tinha internamente um longo corredor para o qual se abriam as portas dos quartos. Cada quarto abrigava 4 pessoas. A cozinha, a lavanderia e os banheiros eram comunitários e ficavam no final do corredor. Todas as famílias recebiam uma cesta de alimentos a cada 15 dias, com alimentos básicos para a sobrevivência: manteiga, bolachas cream cracker, um pacote cacau, uma lata de aveia, uma lata de leite condensado, leite em pó, macarrão, farinha de trigo, enlatados, fermento, uma lata de queijo cheddar, azeite, latas de sardinha, pepinos em conserva, açúcar e sal e um grosso tablete de chocolate. Legumes eram plantados em pequenas hortas improvisadas e cuidadas por todos. Os bosques nos forneciam cogumelos para sopas deliciosas e frutas silvestres para as geleias. Sobrevivemos.
          Foi criada uma comissão internacional para realocar os refugiados e vários países se prontificaram a receber certo número deles, de acordo com as suas profissões, idade, numero de filhos e de idosos. Muitos foram para a Austrália, A África do Sul, a Argentina, os Estados Unidos, Venezuela, Uruguai, Brasil.

          Bom, nem é preciso dizer que não havia TV nessa época, e os poucos aparelhos de rádio eram ouvidos por todos num barracão que era utilizado como salão de reuniões, ao qual foram acoplados uma capela da religião ortodoxa e, mais tarde, construída uma escola para os pequenos alunos. Neste nosso campo, a maioria das pessoas possuía formação superior, assim não foi difícil encontrar professores.

          7. escola lager Parsch

          8. lager Parsch missa

          Não havia livros. Nós, pequenos, não sabíamos ler, então, os mais velhos nos agrupavam nesse salão comunitário e nos distraiam contando as histórias de contos de fada, que sabiam de cor. Histórias, poemas infantis, musicas. Formigas, grilos, mosquitos, os seres que moravam no bosque que nos cercava, eram os protagonistas de incríveis aventuras, junto com o gato de botas, o cavalinho corcunda, a princesa rã, o peixinho dourado, o hotel dos pequenos bichinhos que se refugiaram numa luva perdida no campo, e tantos outros personagens que povoaram nossas manhãs, tardes e muitas noites de encanto e fantasia. O avô, à noite, junto com a mãe se empenhavam em escrever e ilustrar (ambos desenhavam muito bem) contos dos quais se lembravam, produzindo uns livrinhos artesanais, que acabaram ficando na Áustria.

          10 desenhos infantis

          11 contos rusos

          12 contos russos

          Quando conseguimos o visto para nos fixarmos, finalmente, no Brasil, o início de nossa vida de imigrantes, instalados em dois cômodos na então Aldeia de Carapicuiba também não possibilitava o luxo de comprar livros infantis. E livros, na época eram um objeto bem caro. Livros brasileiros a gente não sabia ler. Livros russos, não existiam. Mais uma vez o avô passou a contar e a desenhar para mim personagens e contos dos quais se lembrava ou que inventava, onde eu sempre era a protagonista. A seguir fotos de uma rua de Carapicuíba e da aldeia vizinha à nossa casa.

          16 carapicuiba

          17 aldeia Carapicuiba

          E foi assim que a literatura entrou na minha vida e os livros tornaram-se meus melhores amigos de infância. Viajar por historias fantásticas, com personagens mágicos em terras distantes fazia a minha imaginação se desprender da vida dura que nos cercava e viajar por um outro mundo mágico e onírico que povoava minha imaginação e me fazia companhia, na falta de amigos reais e de outras tantas diversões das quais falta de dinheiro nos privava.
          Assim, para mim é muito difícil entender como existem pessoas que não leem e não estimulam as crianças ao hábito da leitura.
          Tudo começa quando a criança fica fascinada com as histórias maravilhosas que moram dentro do livro.
          A aprendizagem da leitura começa antes da aprendizagem das letras. Quando alguém lê e a criança escuta com prazer, ela se volta para aqueles sinais misteriosos chamados letras e deseja decifrá-los, compreendê-los, porque eles são a chave que abre o mundo para as delícias que moram dentro. Ela quer aprender a ler, porque percebe que aqueles símbolos podem contar e recontar sempre que quiserem ouvir, a mesma história.
          Quando uma criança de dois, três, quatro anos ouve a voz da mãe, da avó, da professora, ela lê o texto com uma voz emprestada. Ela como que está “lendo” com os seus ouvidos.
          Para muitos pais e professores, a maturidade e o preparo das crianças para a vida adulta depende exclusivamente do ensino pedagógico oferecido pelas escolas. Esquecem-se eles, de explorar os sentimentos de seu pequeno aluno, como integrantes fundamentais que são, da formação de caráter daquele ser que lhes é oferecido para ser formado. O mundo interior de cada um, desconhecido pela consciência intelectualizada encerra anseios e segredos, guarda a metade de nós mesmos, e sua assimilação é imprescindível para o encontro de respostas honestas para os grandes enigmas da existência.
          Nesse particular, os contos de fada cumprem relevante papel: eles são uma expressão cristalina e simples de nosso mundo psicológico profundo. São exemplos de conduta moral, de prêmio e castigo pelas nossas boas e más ações. Eles nos falam sobre os medos e a coragem em enfrenta-los, sobre a fraternidade, sobre outros mundos. Eles possuem uma fórmula mágica capaz de envolver a atenção das crianças e despertar-lhes sentimentos e valores intuitivos que clamam por justiça, por segurança, por compaixão.
          Quando pedem ao narrador que conte a mesma história, eles revivem sentimentos que vão sendo trabalhados a cada repetição daquele drama, ampliando os significados ou substituindo-os por outros mais eficientes conforme as necessidades do momento.
          Ao trazer a literatura infantil para a sala de aula, o professor estabelece uma relação de diálogo com o aluno, com o livro, com sua cultura e com a sua própria realidade. Além de contar ou ler a história, ele cria condições para que a criança trabalhe com a história a partir de seu próprio ponto de vista, trocando opiniões sobre ela, assumindo posições frente aos fatos narrados, defendendo atitudes e personagens, criando novas situações através das quais as próprias crianças vão construindo uma nova história.
          Bom…mas como implementar tudo isso e colocar em uso na nossa realidade? Nas nossas escolas?
          Em primeiro lugar, precisamos ser leitores apaixonados. Somos os exemplos mais vivos para os pequenos que, depois dos pais, veem nos mestres os seus heróis. Entrem na sala de aula portando nas mãos um livro. Comentem como ele é interessante, instiguem a curiosidade de seus pequenos alunos, servindo-lhes de referência.
          Habituem-se a ter uma atividade como a hora do conto em suas salas de aula. Não como uma simples recreação, mas como uma tarefa prazerosa que envolve a todos.
          Estimulem a discussão, o desenho, o entendimento dos personagens. Estimulem a criação pelos alunos de suas próprias recriações daquela história.
          Comemorem o dia do livro com prêmios, palestras, distribuição de passaportes da leitura, troca de livros
          Levem seus alunos para conhecerem a Biblioteca Pública de nossa cidade, que possui um acervo muito rico em literatura infantil.
          Em classes que já dominam a leitura, proponham pesquisas sobre os escritores de literatura infantil nacionais, regionais e clássicos. As crianças se interessam muito em quem foi a pessoa que escreveu aquele determinado livro, onde ela morava, se tinha filhos, como escrevia, quem o inspirava. A história de vida de um autor é, para a criança, tão interessante quanto a sua obra.
          Temos escritores infantis muito bons que moram em nossa cidade, que moram nas cidades vizinhas. Promovam encontros com eles. Marisa Mirras, Dinamara Osses, Dila Bento, Itamara Moura, Stefania Andrade, Val Saab, Rita Elisa Seda, Thais Accioly, Mirian Cristina, Karina Mullert

          37726464_1967196143310738_559154482231902208_n

          Em vista de meu testemunho de vida, eu posso afirmar que a possibilidade da literatura ser ofertada aos nossos pequenos como um alimento vivo, como um alimento para o desenvolvimento saudável de seu psiquismo, não depende de leis. Depende do nosso livre arbítrio, dos nossos valores e nossas crenças, depende de pessoas que invistam no lúdico e no afeto, como formas de tornar o ser humano mais forte e mais sábio.
          Bom, e como ir da teoria à prática? Como eu escrevi no Projeto da LIC, a mente humana só raciocina com base naquilo que tem guardado na memória, isto é: com sentidos, entendimentos, conhecimento, enfim, símbolos que ela possui e que traduzem a realidade da vida em seus múltiplos aspectos. São estes símbolos que nos permitem pensar, raciocinar, fazer sinapses, e a literatura, por ser feita deles, a começar pela própria palavra, ela é a essência, ela é o alimento para a nossa mente, para a nossa inteligência.
          Como nós, os animais também reagem inteligente e sensivelmente aos estímulos de seu meio. Mas não pensam. Não raciocinam. Falta neles uma característica muito importante das funções mentais, chamada metacognição que é a habilidade de monitorar e controlar memórias e percepções. Eles apenas reagem com fugas ou ataques diante de uma adversidade. Mas, a vida humana não se resume a fuga ou ataque. E, se nos diferenciamos dos animais por pensar, vamos alimentar esse segmento de nossa inteligência. Sem essa alimentação, nós não diminuiremos o número de analfabetos funcionais.
          Hoje, segundo reportagem do jornal O Globo, apenas 22% dos alunos que chegam à faculdade tem plena condição de se expressar e compreender o assunto da aula. Outros 42% estariam num grupo intermediário. Mas o que mais preocupa é a constatação de que 32% de nossa elite educacional têm domínios apenas elementares de habilidades de leitura, escrita e realização de cálculos aplicados ao cotidiano, sendo que 4% podem ser chamados de analfabetos funcionais. Esses são dados do Inaf (Indicador de Alfabetismo Funcional), realizado pelo Instituto Paulo Montenegro e pela ONG Ação Educativa, com apoio do Ibope Inteligência.
          Em 2017 num universo de 4.725.330, 309 mil estudantes zeraram a redação ( 6,5 % )sendo que apenas 53 estudantes conseguiram a nota máxima.
          E o que é esse analfabetismo funcional senão a incapacidade de analisar os fatos apreendidos na realidade? Precisamos pensar seriamente o que acontece de tão errado com as nossas escolas e nossa política educacional.
          Por todas essas razões, estimular o hábito da leitura e, antes de tudo, uma ato de amor e de respeito ao ser humano.
          E quem melhor do que vocês, mestres, para serem o exemplo de amor, doação, generosidade, fraternidade e conhecimento que esses pequenos seres entregues à sua orientação, terão de lembrança de seu primeiro contato com o saber?
          O primeiro mestre que nos cativou, assim como o primeiro beijo, a gente jamais esquece.
          27 escritoras de livros infantis Vale do Paraiba Marisa Miras, Dinamara Osses, Dila Bento, Val Saab

          28 miriam-cris

          29 Rita Elisa Seda e Itamara Moura

          30 a Livros de Itamara Moura

          30 livro de Rita Elisa seda

          GabrielQuintao.com

          32 Livro de Karina Muller

          33 Stefania Andrade

          Palestra 4

          Palestra 3

          .

            

            16ª Feira Literária de Paraty

            “Quero ser lida em profundidade e não como distração.”
            “Leiam-me, não me deixem morrer.”
            (Hilda Hilst)

            FLIP 1

            “Ser terra/E cantar livremente/O que é finitude/E o que perdura./
            Unir numa só fonte/ O que soube ser vale/ Sendo altura.” (Hilda Hilst)

            A grande homenageada deste ano na FLIP de Paraty foi Hilda Hilst e, diga-se de passagem, com 16 anos de atraso! Enfocando os temas sobre os quais a autora se debruçou durante toda a sua vida: o amor, o sexo, a morte, a vida após a morte, a finitude, a transcendência, a divindade, Hilda Hilst, que se refugiou no final de sua vida em sua Casa do Sol, em Campinas, teve, como Clarice Lispector, uma tímida circulação nas editoras enquanto estava viva. Ambas eram consideradas difíceis e herméticas e produziram incansavelmente. E,assim como Clarice, após a sua morte há 14 anos, Hilda vem se tornando um fenômeno nas redes sociais com a mesma obra tão pouco editada em livros. Os jovens a cultuam. Poetas e ficcionistas da nova geração mergulham avidamente em sua obra, agora totalmente reeditada e merecidamente festejada. Críticos e novos leitores a exaltam. Antes tarde do que nunca!

            37981971_1976686202361732_4529492816966975488_n

            20294193_10213375338242422_8513884115859934398_n

            Paraty, completamente tomada, nos cinco dias, por um publico fiel de todas as idades transpira literatura. Em todos os becos, em todos os espaços sua programação contempla os interesses das mais variadas tribos, tanto em terra quanto no mar.

            38072237_1791081827607570_5374652169326690304_n

            A programação é tão variada e intensa que a gente precisa optar pelos assuntos e autores que mais nos interessam. As entrevistas, lançamentos de livros, discussão de temas latentes no Brasil de hoje, música, cinema na praça, oficinas e mais a programação paralela se espalham por mais de 20 casas parceiras. Esta escolha é sempre feita com dor no coração por não podermos estar em vários lugares ao mesmo tempo!

            38085046_1791081147607638_5951541640970633216_n

            As mesas mais concorridas deste ano foram a da seção de abertura na noite de 25 de julho, quarta feira, com a apresentação de Fernanda Montenegro que lançou seu livro: “Itinerário fotobiográfico”, com imagens e textos que registram grandes momentos de sua vida e obra como atriz. No palco do auditório da Matriz, transbordando de gente, ela apresentou trechos selecionados da obra de Hilda Hilst para uma plateia emocionada e apaixonada. No dia seguinte Fernanda também se apresentou no teatro do espaço SESC, numa leitura de trechos de crônicas e entrevistas de Nelson Rodrigues. Posou para fotos, atendeu os fãs que queriam autógrafo, papeou com o público com a maior simpatia e simplicidade. Nenhum estrelismo. Ela é uma paixão! (foto de Walter Craveiro para o jornal El Paiz, retirada da Internet)

            1532616225_067178_1532617256_noticia_normal

            Autores internacionais, como o inglês Christopher de Hamel autor de “Manuscritos Notáveis”, no qual examina doze manuscritos medievais de livros como “O Evangelho de Santo Agostinho,” “O livro de Kells” e “Carmina Burana” foi interessantíssimo.

            Liudmila Petruchevskaia

            Liudmila Petruchevskaia

            A russa Liudmila Petruchevskaia, autora de “Era uma vez uma mulher que tentou matar o bebê da vizinha” apresenta uma obra composta por breves contos absurdos de fantasia e horror. Ela foi censurada até 2002 em seu país e surpreendeu a todos com sua vitalidade, respostas desconcertantes e revelando-se também como cantora de presença marcante e voz forte para deleite do auditório.
            Outras entrevistas interessantes foram de Alain Mabanckou, escritor da republica do Congo, autor de “Copo Quebrado” e “Memórias de Porco Espinho,” Simon Sebag Montefiore, historiador britânico, best seller que publicou as biografias de Stalin, dos Romanov, e agora de Catarina, a Grande e André Aciman, escritor egípcio, de uma família de judeus expatriados, que viveu na Itália e depois nos Estados Unidos e é autor da obra de ficção “Me chame pelo seu nome”, adaptado para o cinema com indicação para o Oscar.

            Dentre os nacionais cito Sérgio Sant’Ana, o querido mestre da literatura brasileira contemporânea, que foi o grande homenageado na noite de quinta feira; Eliane Robert Moraes, ensaísta especializada no Marques de Sade e na literatura libertina do sec 18 .Ela publicou a” Antologia da poesia erótica brasileira” e “O Corpo Descoberto” (contos eróticos) e ainda o jovem contista Geovani Martins, nascido no Bangu e hoje morador do Vidigal, revelado na FLIP de 2015 e que lançou este ano o livro “O sol na cabeça.”

            37994858_1975359005827785_3367586687453495296_n

            38181974_1977496718947347_547280731609497600_n

            38028980_1977478228949196_2479307929321209856_n

            No último dia tivemos o prazer de ouvir nossa querida escritora vale-paraibana de Guaratinguetá, Thereza Maia, que registra a história oral do Vale do Paraiba e também de Paraty em mais de 40 livros publicados. Ela nos falou de malassombros, junto com Franklin Carvalho, um narrador do sertão baiano que abordou a mitologia da morte em seu premiado romance de estreia “Céus e Terra.”

            FLIP 12

            FLIP 10

            A programação da Flipinha também esteve interessantíssima, bem como a mostra das atividades culturais do SESC, onde destacou-se a exposição fotográfica de Claudia Andujar, fotógrafa e ativista suíça naturalizada brasileira que viveu com os índios Yanomami e os fotografou em seu cotidiano.

            38007978_1974967449200274_7890659589169872896_n

            37941753_1975003642529988_6167081641257730048_n

            A par de toda essa programação literária, a gente aproveita também, e muito, as lojas, bares, restaurantes, caminhando pela cidade histórica, ou optando pelos inúmeros passeios de escuna. A parte gastronômica, com cardápios variados é um programa sempre delicioso. Há música em todos os cantos da cidade, feiras de autores e editoras independentes, saraus, degustação de vinhos e da cafés especiais, visita a igrejas seculares, museus, oficinas de máscaras e de carimbos, trocas de livros e de endereços com escritores de todas as partes do Brasil, novos amigos e muito papo regado a batidas, sucos e a cerveja geladíssima que acompanha conversas que adentram pela madrugada.

            38012389_1974892019207817_8870639979290689536_n

            37895802_1974977252532627_8221374390244212736_n

            FLIP 4
            FLIP 11

            FLIP 9

            FLIP 8

            FLIP 7

            E, para encerrar com chave de ouro esta FLIP de 2018 tivemos o privilégio de assistir, dia 27, sentados em cangas sobre o gramado de frente ao mar, o raro eclipse lunar que teve 103 minutos de duração: o eclipse mais longo do século 21 e ainda em conjunção com o planeta Marte.

            Flip 3

            Adilson Machado.jpg 2

            Adilson Machado

            Assim, as lembranças que me ficam destes dias tão especiais, são da presença de Hilda Hilst, que permeou com sua obra todos os principais eventos, a companhia de amigos queridos, os bate papos intermináveis noite adentro, a magia da cidade histórica com suas pedras e ruas seculares, a arquitetura urbana colonial que confere a Paraty um clima de magia e esta rara lua vermelha fechando com chave de ouro a festa tão mágica. Partimos de Paraty já sentindo saudades, mas com o consolo de que, em 2019 tudo se repetirá, e nós estaremos presentes, com certeza, para alimentar nossa alma de poesia e nossos olhos de beleza.

            FLIP 5

            FLIP 6

            Viva a FLIP!

              

              O orvalho da alegria

              12791114_1111801988850162_448110108053943073_n
              Nestes momentos de melancolia em que a alma pede tréguas ao corpo fatigado, a boca se cala, os olhos perdem-se na linha do horizonte e eu sorvo o silêncio, estancando em mim todo o desejo. Minhas mãos tombam inertes sobre o colo e o coração é um instrumento de argila que ecoa na gruta da carne. Por ele escorre apenas o sangue das horas. Estou inteiramente isolada em meu sepulcro que me defende da agrura indecifrável dos dias. A solidão não me espanta, antes, frutifica-se em letras vivas que brotam sonoras no solo sagrado do poema. Elas, misteriosamente dissipam as trevas e espargem o orvalho da alegria. É preciso abandonar-se, às vezes, no meio do caminho, para retomar a estrada da vida…
              (Ludmila com imagem Internet)

                

                Corpo d’água

                4199939-1080p-digital-universe-hd-HD

                O que posso fazer se me desejas terra?
                Perdão se não possuo a solidez das rochas.
                Perdão se não ostento a pele de carne e musgo
                e nem o doce aroma dos narcisos.
                Sou feita de água e ar. Turbulenta, abissal, salobra,
                onde a lua banha suas faces e o sol desponta.
                Esta sou eu: crio cardumes nas entranhas
                e deflagro os naufrágios.
                E te digo mais:
                Tudo que é líquido é misterioso e fecundo
                pois é a água que sustenta o mundo.

                (Ludmila com imagem da Internet)

                  

                  Contos mínimos: O ritual

                  Lua1
                  O ritual demandava cuidados minuciosos. A água da chuva, recolhida por dias, aguardava no balde recoberto por um pano de filó. A bacia, ariada múltiplas vezes, reluzia à luz do sol. Alcançado o volume preciso, à noite, céu refletido na bacia, ela podia, finalmente, tocar a lua com as próprias mãos. (Ludmila)Imagem Internet

                  Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...