Conto de fadas russo:O peixinho dourado

Ilustração  de Ivan Bilibin

Ilustração de Ivan Bilibin

Dedico esta historia para minhas netas que ainda gostam de contos de fada: Anninha, Alecsia e Lórien, e para todos os que voltam facilmente a este mundo maravilhoso da infância. (Ludmila)

Há muito, muito tempo atrás, numa aldeia distante, vivia um casal de velhos, em extrema pobreza. Sua casa era uma isbá (casa de madeira russa) caindo aos pedaços.
O velho ganhava a vida pescando e sua mulher tecia.
Um dia, o velho saiu para pescar e qual não foi sua surpresa, quando puxou a rede e, preso nela, encontrou um lindo peixinho dourado.
“Por favor, meu bom homem, jogue-me de volta ao mar” ele pediu, falando com sua vozinha de peixe. O velho ficou muito assustado. Em toda a sua longa vida, jamais ouvira um peixe falar, mas, enfim, sempre havia uma primeira vez para tudo!
“Se você me soltar, pode pedir o que quiser, e eu satisfarei o seu desejo, pois sou o rei deste Oceano!”
O pescador, então, delicadamente, soltou as linhas da rede que prendiam as barbatanas do peixinho e, devolvendo-o ao mar, falou:
“Vai embora com Deus, Vossa Majestade Marinha! Eu realmente não preciso de nada de você”!
“Pois, se você se lembrar de algo que queira, é só voltar a este mesmo lugar e chamar pelo meu nome: Peixinho Dourado, e eu voltarei.” “Obrigado, meu bom homem! Obrigado!” E o pequeno peixe desapareceu, feliz, entre as ondas!
Voltando pra casa, o pescador, maravilhado, foi logo contando o que aconteceu com ele pra sua mulher.
“Mas eu não acredito! Estou pra ver um velho mais tolo do que você neste mundo!”
“Então você me apanha um peixe dourado que é simplesmente o rei do Oceano, devolve ele são e salvo pra água e não pede nada em troca?”
“Pedir o que, mulher? Nós já estamos tão velhos, passamos a nossa vida inteira aqui neste lugar onde não nos falta nem teto e nem comida…Pedir o quê para o pobre peixinho?”
“Pobre? Pobre peixinho? O rei desse mundão de água? Pois volte já onde o pescou e diga a ele que precisa de uma moringa nova, pois a nossa quebrou! “A nossa quebrou, ouviu bem? disse irritada a mulher.

ilustração de Guenadi Konstantinovich Spirin

ilustração de Guenadi Konstantinovich Spirin


O velho, para não contrariá-la, voltou para a beira do mar. O dia já estava entardecendo, e algumas nuvens se formavam no céu azul. “Peixinho! Peixinho Dourado! Vossa Majestade Marinha!” Gritou o pescador. Passados alguns minutos, lá veio o Peixe, desta vez com uma linda coroa de ouro sobre a sua cabecinha. “Olá, meu amigo! Lembrou-se de algo que queira me pedir?”
“Eu não, disse o velho, envergonhado, mas a minha mulher, quando soube que você queria me dar um presente, disse que precisa de uma moringa nova!”
“Pois eu já atendi ao seu pedido. Volte para casa que sua moringa está lá!”
“Adeus, peixinho!” “Adeus pescador!”
Quando o homem voltou para casa, sua mulher já o estava esperando com o presente nas mãos. “Mas você é mesmo um bobão”, disse-lhe ela. Salvou o rei dos mares e só lhe pede uma moringa? Olhe para nossa isbá! Ela a qualquer momento cai na nossa cabeça…Chame o peixe e lhe diga que quer uma casa nova!”
E lá se foi o nosso velho, chamar novamente pelo Peixe Dourado. A noite estava caindo, e as ondas batiam com força sobre as pedras.
“Olá, meu bom velho! O que você quer, agora?”
“Desculpe, meu amigo, mas a minha mulher me deu a maior bronca por ter pedido apenas a moringa, enquanto a nossa casa está quase caindo…”
“Pois volte que a sua nova casa já está lá!”
“Obrigado, Peixinho Dourado! Muito obrigado!”
Quando retornou pra casa, ele mal acreditou no que seus olhos viam: lá estava um belo chalé, com a chaminé fumegando, a cerca pintada de branquinho, o seu cão fazendo a maior festa!
Ilustração de Guenadi Konstantinovich Spirin

Ilustração de Guenadi Konstantinovich Spirin


“Satisfeita, mulher?”
“Estou satisfeita não! Olhe para este chalé!” “Agora olhe para mim!” Como vou morar nessa casa tão bonita, toda esfarrapada do jeito que estou?” Agora eu não quero mais ser pobre! Volte ao seu peixe e lhe diga que eu quero ser nobre!”
E lá se foi o velho, chamar o peixe novamente. O caminho ia ficando escuro, pois a lua mal aparecia por entre as nuvens.
“E agora, o que sua mulher resolveu que vai querer?” perguntou o peixe.
“Ah! meu caro peixinho dourado! Minha mulher resolveu agora que quer ser nobre!”
“Pois que assim seja!” “Volte para casa tranquilo, que seu desejo é uma ordem pra mim!”
E o que aconteceu quando ele voltou para casa? Ah, o chalé tinha desaparecido e em seu lugar estava no terreno uma bela mansão. Sua mulher vestia um rico vestido de seda, todo bordado de pedrarias. Seus cabelos estavam arrumados numa longa trança e sobre a cabeça ela trazia um rico toucado. Colares de ouro adornavam seu colo e anéis de pedras preciosas enfeitavam seus dedos. Empregados andavam pela casa, ajeitando os mínimos detalhes. O pescador, vendo-a toda arrumada, quase não a reconheceu!
“Saudações, mulher! Espero que esteja, finalmente, satisfeita!”
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Ela, olhando-o com desprezo, apenas ordenou que, daquele dia em diante, ele fosse viver no estábulo.
Passaram-se algumas semanas sem que, a agora importante dama, fosse importuná-lo. A vida do velho pescador continuava na mesma rotina. Acordava, cuidava do cão, pegava sua rede e ia pescar. Certa tarde, retornando para o estábulo onde agora morava, encontrou uma serva da mulher que viera trazer-lhe o recado de que a Senhora queria vê-lo.
“Quero que você vá lá chamar o peixe!” Disse-lhe a velha.
“Estive pensando e descobri que existe o Rei que é mais importante do que eu, a quem todos temos que obedecer.” “Pois eu não vou obedecer a mais ninguém, entendeu?” “Então eu quero que você vá lá e ordene ao peixe que me torne a rainha de toda a terra!”
“Você ficou louca, mulher? Eu não vou pedir mais nada ao Peixe Dourado!”
“Você ousa me desobedecer?” Berrou a mulher, esbofeteando, furiosamente seu velho marido.
“Vá lá e não me volte sem o meu pedido atendido!” “E não vou falar isso outra vez!”
Sem ter o que fazer, o pobre homem dirigiu-se ao ponto de encontro com o Peixinho dourado e, mais uma vez chamou por ele. E mais uma vez o peixe apareceu. A água estava agitada, as ondas altas se quebravam com violência sobre a praia, e o céu estava escuro.
“Majestade, minha velha enlouqueceu”! “Ela agora quer ser a Rainha de toda a terra!”
“Não se preocupe, meu amigo!” “Volte lá que seu pedido já foi atendido” disse o peixe.
Ilustração de Guenadi Spirin

Ilustração de Guenadi Spirin


Quando o pescador voltou, encontrou, no lugar da mansão um grande palácio, e sua mulher estava sentada no trono cercada por vários nobres que a bajulavam. Uma fileira de guardas armados protegiam o caminho, então ele nem pode chegar perto.
“Saudações, Majestade!” gritou de longe! “Satisfeita agora?”
A nova Rainha da Terra sequer olhou para o seu lado. Levantou apenas um dedo apontando em sua direção, e já vieram dois guardas que o colocaram para fora do castelo.
Passados alguns dias, a Rainha chamou novamente o velho à sua presença e ordenou-lhe que fosse ao peixe, para dizer-lhe que agora, ela queria tornar-se a Imperatriz de toda a Terra e também do Mar, e que o peixe em pessoa viesse servi-la.
“O pescador ficou tão apavorado, que nem protestou e, lentamente, pôs-se à caminho da praia.
Uma terrível tempestade se formara, com raios, trovões e ondas gigantescas que se quebravam sobre as pedras.
O velho gritou pelo peixe. Gritou e gritou o mais alto que conseguiu, até que a pequenina cabeça dourada apareceu em meio às ondas.
O pescador, cabisbaixo, triste, envergonhado, explicou ao peixinho o que sua mulher queria agora. Desta vez o peixe nada lhe respondeu. Simplesmente virou-se e nadou para bem longe daquela praia.
Depois de esperar muito tempo, em vão, que o peixinho voltasse, o velho tomou o caminho de volta para casa, onde, uma surpresa o aguardava. No lugar do suntuoso palácio, encontrou a velha isbá caindo aos pedaços. Sua mulher, vestindo os mesmos trapos, tecia ao lado da moringa quebrada, caída no chão.

Tradicional conto de fadas russo, recontado de memória por Ludmila Saharovsky)

Ilustração de Guenadi Konstantinovich Spirin

Ilustração de Guenadi Konstantinovich Spirin

Poster de 1909 da Exibição Internacional de ilustradores, em Kazan, Russia

Poster de 1909 da Exibição Internacional de ilustradores, em Kazan, Russia

As ilustrações deste conto são do artista russo Ivan Bilibin e também de Guenadi Konstantinovich Spirin, ilustrador russo contemporâneo, que reside atualmente nos Estados Unidos.
Spirin nasceu na Russia em 1948, cursou a Academia das Artes de Moscou e a Universidade Strogonov, Hoje, ele é considerado como um dos melhores ilustradores de contos de fada da atualidade. Tem seus trabalhos em diversos Museus e em vários sites da Internet, entre os quais

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    12 pensamentos sobre “Conto de fadas russo:O peixinho dourado

    1. Ao que conta… Ludmila…maravilha de ilustrações … e os lindos contos russos são impossíveis de serem contados…são muitos e muitos…todos ilustres!

    2. Lu! Que lindo! Enquanto lia, me senti sentada em roda escutando uma contadora de história russa, vestida num belo traje típico nos levando a lugares bem distantes. Saudosismo infantil.

    3. Olá, amigos! Os contos russos são de uma beleza única. Fico feliz em torná-los um pouco mais conhecidos, especialmente para as novas gerações, que tem como parâmetro de historias infantis, apenas as produzidos pelos estúdios da Disney. Nada contra, pelo contrário, a qualidade destes últimos, não se discute, mas há muitas outras historias que também precisamos conhecer! Grande beijo a todos e obrigada pela leitura e comentários!

      • Consuelo, é que você não ouviu meu avô! Ele contava e representava com as mãos em sobra nas paredes…Quem me dera chegar a seus pés! Mas…sigo tentando!

    4. Além de bela história,,,uia…queria estar em um estagio mental, espiritual…e em um contexto, que me permitisse ilustrações assim…assim..assim…obrigado por me dar parâmetros para onde posso levar meus sonhos…rs

      • Você desenha maravilhosamente, amigo! Lembro-me do estado de encantamento em que fiquei, ao ver seus nanquins, há tantos anos passados…è um dom! Beijos!

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