Os anjos de Novembro

Imagine que seu telefone toque e que, do outro lado da linha, uma voz amiga anuncie simplesmente: “Os anjos estão chegando”.
Suponha que você abandone qualquer coisa que esteja fazendo e, incrivelmente tocada pela inusitada mensagem, dirija-se até a porta de entrada de sua casa, abra-a e convide: “Entrem! Sejam bem vindos!”
O dia apenas começa a se delinear, cedo, cedo, nesse tempo de verão. Os primeiros raios de sol brilham tímidos, por entre as longas saias das samambaias penduradas na varanda, enquanto os anjos, três ao todo, acomodam-se ali, bem à sua frente, no sofá da sala; mais pressentidos do que visualizados: As leves e longas asas entreabertas, as vestes translúcidas, os pés calçados em finas sandálias de cetim, os cabelos, descendo em ondas pelos ombros. Você se intimida. Não sabe ao certo como tratá-los. Afinal, é a primeira vez que os recebe assim, também anunciados.
“Será que gostariam de tomar um chá de bergamota?” “Preferem um suco natural?” “Um copo de água fresca da moringa de barro?”
Na sala expande-se o silêncio e um singular aroma de jasmim e musgo. Você fecha os olhos e se acomoda na poltrona buscando nos escaninhos da memória todas as imagens angelicais arquivadas desde a infância: O anjo da guarda de túnica azul celeste, os braços estendidos, emoldurado na gravura sobre a cama, guiando-a através de tantas pontes sobre abismos; os gordos e sorridentes querubins espiando-a dos ícones do quarto; o arcanjo sério e esguio, apontando sua espada fulgurante para a saída do perdido paraíso; o suave anjo da Anunciação…Os serafins, os anjos barrocos, os góticos estampados em tantos afrescos de templos seculares… A que casta, a que estirpe os que hoje visitam-na, pertencem? Parecem tão humanos! Não fosse pelas asas…
Você entreabre os olhos e percebe que eles a observam fixamente.
“Viemos aqui para ouvir seus pedidos” dizem sem falar. A estranha melodia de sua fala reverbera em sua cabeça e você se emociona. Pede-lhes: “ Deem-me um tempo…por favor!” Necessita de acalmar o coração, controlar a ansiedade. Quer pensar. Pedir com qualidade, sem esquecer-se de nada. Pedir para todos, pois sabe que, se egoisticamente desejar só para si, poderá espantá-los, criaturas fraternas que são. Concentra-se então em seus desejos. Pede-lhes alegria, prosperidade, justiça. Saúde, paz, tolerância, harmonia. Enumera todos os detalhes. Pede para as crianças do mundo, para os filhos, os amigos e os inimigos, como se lhes falar fosse a coisa mais natural do mundo! Então, cala-se e espera. E no silêncio poderoso que se instala tem a certeza de que abriu seu coração. A manhã avança. Os raios de sol já alcançam-na e ferem seus olhos. Você desperta. “Que sonho lindo eu tive”, recorda! Dirige-se à cozinha para preparar o lanche da família. Abrindo a porta da varanda, uma pena branca, longa, inconfundível, estremece entre as samambaias e voa leve, em sua direção. No ar, um perfume de flores e de anjos permeia esse dia único de novembro, colorindo-o de paz e luz…(Ludmila Saharovsky)

Para Benny Lima. Ela sabe porquê!

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    2 pensamentos sobre “Os anjos de Novembro

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