A Pedra e o lago (trecho)

Navego por teu corpo, repleto de complexos itinerários.
Repleto de roteiros secretos,
Vales, escarpas, cordilheiras, istmos.
Nele tudo eu esquadrinho lentamente.
Tudo eu exploro, assinalo, guardo.
Fecho meus olhos e faço a travessia.
Às vezes eu naufrago. Outras, flutuo,
guiada por algo que já não é mais instinto.
Ah! quantas rotas teu corpo me permite,
quantas abstrações, quantos pulsares, quantos delírios!
E arrepios que me habitam na tua ausência.
E andorinhas que me roçam a pele.
Movo-me por teu corpo
marcando meu caminho feito um lagarto.
Feito um besouro sobre a areia fina.
Feito um caramujo.
Por onde passo, deixo um indelével rastro e odor de lírios.
Ora latejo em ti, beijafloreio.
Ora em rendas de espuma me desfaço
Ora me reflito em signos de assombro e luz
E em luas de marfim me perpetuo.
E deixo que floresçam em nós, quaresma e ipês.
Ah! Esse teu corpo imerso em delimites,
Quero trazê-lo inteiro, imantado em mim…
Navego por teu corpo de carne, ossos e espanto.
Em ti eu andarejo, eu andarilho,
cumprindo meu percurso, minha história.
O coração de flechas trespassado. Doido coração.
Doido e doído, corroído por saudades tantas
Que em ti, de ti eu sinto.
E é assim que existo:
entregue à paixão de ser o teu destino.
De ser para ti a carne transmutada em verbo vivo.
Que se transforma em terra e em pão
E te envolve leve, feito um sudário.

(Ludmila Saharovsky)
(Trecho do monólogo A pedra e o lago)

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