Entrevista

Entrevista de Ludmila Saharovsky
Para o jornalista Dailor Varela

1.Para o que serve a poesia? Você já pensou que a poesia pode ser o ópio do poeta?
LS. A poesia serve para expressarmos o sagrado através da palavra e através dela nos redimirmos. Não. Ópio, como qualquer vício, aprisiona. A poesia, pelo contrário, liberta!

2.Seu último livro publicado foi em 83 (Te sei) Por que tanto tempo sem publicar?
LS. Te sei é meu primeiro livro solo, que foi reeditado três vezes. Fui publicada em diversas antologias, jornais, revistas, postais-poemas, folhetins, no Brasil e também fora dele. Tive meus textos transformados em oficinas de linguagem poética, peças de teatro, balé, teses universitárias, Cds. Por conta deles, ganhei uma Biblioteca Universitária (Faculdade Tereza Porto Marques) batizada com meu nome. Hoje, meus escritos encontram-se espalhados em inúmeros sites e página na Internet e prossigo publicando crônicas em jornais e revistas. Talvez por isso não sinta essa ansiedade em lançar livros, se bem que esteja com alguns prontos.

3.Pelo que conheço de sua poesia, você se inspira tanto no sagrado quanto no profano, com forte conotação erótica, como em alguns poemas do Te Sei e em outros inéditos, como em seu No Útero de Deus, que já tive a oportunidade de ler. Por que esses caminhos tão diferentes?
LS. O sagrado e o profano, para mim são faces da mesma moeda. A Vida surgiu gerada por uma grande energia criadora que se fragmentou em partículas que estão sempre se agregando. Eu entendo o erotismo como essa paixão pelo vir a ser.

4.Da década de 80 para cá, você não acha que o Vale do Paraíba foi vítima de um processo de decadência cultural?
LS. Dailor, a humanidade caminha em ciclos desde que o mundo é mundo. Os tempos atuais são de decadência de todos os valores humanos que aprendemos a respeitar: éticos, morais, sociais, intelectuais. Isso é global e irreversível.

5.Você foi presidente da Fundação Cultural de Jacareí. Foi “expulsa” por não concordar com certas falcatruas da então administração municipal. É uma página da vida cultural do vale que poucos conhecem. Conte pra gente o que aconteceu.
LS. Dailor, sabe aquela antiga e batida frase “águas passadas não movem moinhos?” Pois então! O que acontece na vida da gente, é que os momentos mais difíceis nos servem de reflexão e de parâmetros para descobrirmos quem realmente somos; para aprendermos certas lições e não repetirmos mais os mesmos erros. O que eu aprendi daquele doloroso episódio foi que, infelizmente, não existem administrações municipais, estaduais, federais, eclesiásticas, acadêmicas, hospitalares, desportivas, artísticas, classistas, sem falcatruas. Há sempre um caminho nebuloso e suas ofertas tentadoras de enriquecimento e de poder. O que existe é gente que se vê atraída por ele e o segue. Eu não consigo, não consegui e nem conseguirei compactuar com o ilícito, por isso serei sempre um ET nesses ambientes, ou, se preferir, uma carta fora do baralho de todos aqueles que exercem o poder sem se preocupar com valores que eu professo.

6.Se você encontrasse com Deus, no centro de Jacareí, o que diria para ele?
LS. Pediria que ele desse um grande abraço na Deusa Mãe, sua divina-metade.

7. “Viver é melhor que Sonhar?” como diz Belchior?
LS. Não sei…. “E se formos todos um sonho na mente de um deus adormecido”, como prega a filosofia hindu?

8.Defina solidão
LS. É uma ferramenta imprescindível para a auto-descoberta

9.Tem medo da velhice?
LS. Não. Tenho medo da decadência física e mental, em qualquer idade.

10.Onde você se sente mais livre e solta, na prosa ou na poesia?
L.S. A literatura, em geral, me liberta. Quer criando, quer participando da criação do outro, através de leituras.

11.Pelo menos no Vale do Paraíba, as mulheres são melhores poetas do que os homens. Será que a poesia é feminina?
LS. A poesia é a linguagem da sensibilidade, e a sensibilidade é a linguagem da alma. Talvez, no presente momento, haja mais mulheres exercitando a linguagem poética aqui entre nós, mas tenho muitos amigos, você dentre eles, que são grandes e inspirados poetas.

12.É conhecida sua paixão por Clarice Lispector. O que lhe apaixona mais na escrita dela?
LS. A maneira pela qual ela consegue despir os signos de sua roupagem usual e rebatizá-los com novos e insuspeitáveis significados que nos incitam a transpor seu texto e ir além. Clarice é a mais instigante escritora deste século e, finalmente, está tendo o reconhecimento que merece, no Brasil e além de nossas fronteiras.

13.Você é uma pessoa esotérica. O que lhe faz crer que há vida após a morte?
LS. Creio que é justamente a falta desta certeza que me faz mergulhar nos mistérios da vida e da morte, buscando uma razão para a existência humana. A complexidade do Universo me assusta e me fascina ao mesmo tempo. Viver e morrer são milésimos de segundos nesse Corpo Divino que habitamos. O que me fascina mesmo, é a transcendência!

14.“O inferno são os outros” disse Sartre. O que você acha?
LS. Creio que nós criamos nosso próprio céu ou nosso inferno. Os outros são o nosso reflexo no espelho.

15.E o Céu?
LS. O céu é a liberdade extrema de eu me aceitar como sou, compreender as minhas falhas, perdoar-me e seguir em frente sem medo de errar e recomeçar quantas vezes for preciso, nessa escola que é a vida.

16.A felicidade existe? Como? Quando? Por que?
LS. Felicidade é um exercício constante de praticar a insustentável leveza de ser. É dar conta, a cada dia, com dignidade, de seu fardo. É viver no mundo sem ser do mundo, pois tudo aqui é transitório e nada nos pertence. Como, quando, porquê,não sei definir, mas encorajo cada um a praticar. Vale a pena, e a alma não se apequena!

17.Como você entrou na era da informática? Logo você que tem a letra tão linda?
LS. Ah!Dailor! Como toda e qualquer novidade, a princípio a informática me assustou, depois fomos nos conhecendo, reconhecendo, e hoje não conseguiria mais viver sem o meu computador.

18.Acredita em ET?
LS. E você acredita que nesse nosso universo composto por trilhões de galáxias, somos os únicos seres inteligentes? Ora! seria muita pretensão, para não dizer, ignorância.

19.Você vive, faz tempo, em Jacareí. Defina Jacareí.
LS. Jacareí é minha aldeia, meu mapa, minha geografia. Eu amo esse Vale por onde corre o Rio Paraíba, nosso rio de curvas desnecessárias, mas tão belas; o azul da Mantiqueira que nos emoldura. Amo a Serra do Mar, também tão próxima e altiva. Amo as quaresmeiras, os ipês que enfeitam minha rua. Amo os pássaros que me despertam com seu alarido a cada manhã. Aqui tenho meu mundo, meu lar, meus amigos, meus vizinhos. Aqui eu sou feliz.

20.“A mulher é o negro do Mundo” (Yoko Onno). Você concorda?

LS. Seria bom se fosse, porque Black Is Beautiful

21.Você está se aventurando por um romance. Pode falar-nos algo sobre ele?
LS. Sim, desde que voltei de minha última viagem à Rússia, onde passei quatro meses pesquisando, escrevo “Tempo Submerso”. É uma obra de ficção onde misturo a história de minha própria família, assassinada nos Gulags Stalinistas, e a história mais recente do povo Russo. É um exercício de catarse, dolorido, forte, e ao mesmo tempo tenro e poético. Creio que resultará num livro interessante!

(entrevista publicada no jornal O Grito)
Dailor Varela, sempre abriu espaços generosos na mídia para mim, desde que nos conhecemos, na década de oitenta. Essa, é uma das últimas entrevistas que lhe dei. Um beijo, Dailor e, para sempre, a minha amizade! (Ludmila)

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    12 pensamentos sobre “Entrevista

    1. Minha querida, acabo de ler sua entrevista. Bela e forte.
      Muitas saudades, com você sempre presente nas expectativas de um dia ainda criarmos algo juntas. Beijos
      Tereza

    2. Parabéns ao Dailor Varela, por desnudar-lhe em algumas de suas trilhas …e a você…Ludmila Brasileira Saharovsky, por ofertar-nos um pouco das muitas palavras que margeiam seus caminhos sem bitolas! Gracias…

    3. Querida Lu

      Admiro sua grandeza ao responder a pergunta sobre falcatruas. Vc me lembrou o Chico Xavier q faz questão de não ferir, mas tb ñ deixa nenhuma pergunta sem resposta. Vc foi de extrema elegância. Classe é classe.

      Cada vez q te conheço, mais te admiro.

      Bjs admiradores

      Elô

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