Tanto riso…tanta alegria!

Atrás de incontáveis máscaras havia um rosto, ou , poderia dizer-se também, sem medo de errar que, atrás de incontáveis rostos existia uma máscara.
Dilema! Tanto tempo fundidos – as máscaras e os rostos – que era difícil distinguir qual era qual.Indecifráveis, todos lhe pediam exclusividade. Mas, e para além?
Para além, o desconhecido. As trevas encorajavam-na a desvendar definitivamente este mistério de sua existência, enquanto a brisa leve dançava nas cortinas: odalisca envolta em transparentes vestes, chamando-a para a vivência seguinte, como nos contos das Mil e uma Noites.
Ela olhou-se atentamente no espelho, buscando pistas: a pele claríssima, de porcelana. O riso desenhando tristemente a boca. E uma lágrima, do olho esquerdo, escorrendo pela face, lenta. Não conseguiu secá-la. Estava impressa. Na máscara? No rosto? Em sua alma? No cristal?
Apalpou-se com a ponta dos dedos e estremeceu. Sua face não sentiu o leve toque. Aproximou-se mais. Ficou tão junto que percebeu o hálito recobrir o vidro com textura adamascada. Olhou-se fundo, nos olhos e só então percebeu o rosto. Mas ele também não se movia. Estava absolutamente impassível, impenetrável.
Lá fora, a vida, as luzes, os ruídos… os blocos, as escolas, as pessoas. Tudo em movimento. Ela buscou , aflita, sua voz na distância. Procurou ouvi-la dentro da noite, perdida entre tantas outras, na esperança de saber-se viva ao menos pelo som. Não obteve um simples eco em resposta. Quanto esforço para revelar-se! Que espaços necessitava de transpor? Qual tipo de persona procurava? Com qual identidade sairia, inaugurando finalmente, em si, a festa? Não conseguira, em tantos anos, assimilar a linguagem híbrida das ruas, partilhar da alegria geral, soltando-se, suando e sambando. Era estrangeira naquele meio. Emigrada de longínquas planícies tentava aprender em vão os costumes desta terra alheia. Buscava por milagres que não aconteciam, por paisagens frias que derretiam abaixo do Equador, por lembranças que não a resgatavam. Foi quando recorreu à primeira máscara: aquela personagem até que lhe caíra bem! Usou-a por algum tempo, criando à sua volta um novo mundo. Mas, imersa numa realidade que também não lhe pertencia, logo sentiu-se pouco à vontade e experimentou a seguinte. Da qual também se cansou. E assim foi vivendo, de salto em salto, de fantasia em fantasia, de porto em porto, na vertigem de ser sempre outra. E, na magia de reinventar-se, acabou perdendo sua verdadeira face. Ah! E como era difícil reencontrá-la! Quem era ela afinal? Desdobrara-se aos poucos entre tantas cidades, fugira de olhares que a perscrutavam, da constante curiosidade dos passantes, refugiando-se em identidades, outras. Transportara-se em viagens intermináveis em busca de suas raízes, para além do tempo, num mar de estrelas e constelações. Mas hoje, particularmente agora, sentia-se tão cansada! Olhou novamente para o rosto, aquele, por trás das máscaras e resolveu que chegara a hora de assumi-lo. Estendeu as mãos, tocou-o com infinito carinho, até que finalmente, ele se moveu. Olhou para ela, de dentro do espelho e, retirando toda a pele humana, lhe sorriu.
(Ludmila Saharovsky)

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    5 pensamentos sobre “Tanto riso…tanta alegria!

    1. Ludmila é dificil expressar o que sinto, mas é facil reconhecer uma mulher inteligente e com grande sensibilidade

      parabens para voce

      Claudio Miotto

    2. Fantástico…eu gosto do que escreve, Ludmila…me faz viajar em seus textos, além das dimensões, dos limites que a maioria dos escritores e poetas traçam em suas obras…sempre me abre um portal, de imagens e sensações que extrapolam as palavras e frases que compõem a magia de um mundo onde quer nos levar…parabéns… nem sei se soube me expressar, mas enfim…alma-me sempre… gracias “sic”…Bosco Фантастическая, милые поэт!…

    3. Meu querido Boscovsky, então…eu o convido, ao som de Tom Jobin:
      “É de manhã vem o sol
      mas os pingos da chuva
      que ontem caiu
      Ainda estão a brilhar
      Ainda estão a dançar
      Ao vento alegre
      Que me traz esta canção
      Quero que você me dê a mão
      vamos sair pra ver o sol…”
      Vem!
      Grande beijo!

    4. Oi Lou, Gostei do texto. É realmente uma busca dificil quando nos perdemos ou nos escondemos de nós mesmos….Parabéns!

      Gostei tambem da receita da vaca atolada. Pedi para a Rose fazer e ficou ótima…Valeu!

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