Um conto quase de fadas


Era uma bela e inatingível paisagem: penhascos batidos pelo mar.
Nela, entre pedras limosas, instalou-se a sereia.
Seu canto suave ecoou pelos rochedos, chegando finalmente aos ouvidos do rei.
Que som é esse, ele indagou maravilhado e, a partir de então perdeu a paz.
Diariamente refugiava-se na torre mais alta do castelo para mergulhar naqueles acordes trazidos pelo vento.
Certa manhã reuniu seus cavaleiros e partiu em direção àquela voz.
Longos dias durou a travessia até alcançarem finalmente a elevada penha.
Lá embaixo, distraída, enfeitando com madrepérolas os longos cabelos, cantava a sereia. E foi assim que o rei a descobriu: meio peixe, meio mulher, refletida no espelho azul turquesa: Linda!
Ah…se conseguisse descer sem muito alarde, poderia facilmente capturá-la! E assim o fez. Quando seus olhos se encontraram, já uma forte rede a aprisionava. Inutilmente debateu-se a frágil presa, na longa viagem de regresso.
Por fim, sem água que lhe umedecesse as escamas, começou a agonizar, mas já a ponte levadiça, permitia à comitiva adentrar ao território guardado por altos muros.
De longe, com voz imperativa, ordenou o monarca que enchessem de água salobra a maior tina, na qual depositou a prisioneira. Dias e noites permaneceu o caçador ali, cuidando dela, que aos poucos recobrava o alento. Triste, porém, sua boca não emitia qualquer som.
O rei, enamorado, implorava-lhe inutilmente que cantasse. Em vão, ofertava-lhe os mais ricos presentes. Em vão, murmurava-lhe juras de eterno amor, esquecido de que a exótica criatura só entendia a linguagem das ondas e do vento.
Assim, passaram meses observando-se em silêncio: o homem não entendendo porque era preterido, e a sereia perguntando-se porque fora escolhida.
Uma tarde, descobrindo incontidas lágrimas brilhando nas faces da amada, conclamou os alquimistas, os magos, as feiticeiras. Que transformassem a sereia em mulher, idêntica às que andavam pela corte.
E foi assim que surgiu a enigmática princesa.
Correram as camareiras e cobriram seu corpo alvo e nu com as mais ricas vestes. E vieram os artesãos e adornaram seu colo com raras jóias. E foram convocados malabaristas que lhe ensinaram a difícil arte do equilíbrio sobre as longas pernas. Era perfeita, a mulher… Só lhe faltava o dom da fala, e o desejo de ser tão humana.
As bodas foram marcadas em meio a infindáveis festejos e, na manhã do grande dia, inutilmente procurou-se pela noiva.
Rastros de passos trôpegos indicavam que ela regressara ao mar.
Quando o rei venceu pela segunda vez os íngremes rochedos, já não encontrou nem a princesa, nem a sereia. Apenas, nas águas cristalinas, o reflexo de um peixe raro, de formas quase humanas, e no ar, a última canção de adeus!
(Ludmila Saharovsky)publicado na revista Perfil Mulher de S.J. dos Campos
(para Nicolas, Alecsia, Anna Luisa, Maria Claudia, Miguel e Lorien, meus netos, nesse Dia das Crianças)

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