Inverno

Junho chega trazendo dias frios e a necessidade de aconchego. Vocês já repararam em como o inverno aproxima as pessoas? Não apenas fisicamente, mas também espiritualmente. No inverno parece que ficamos mais fraternos, mais tocados pelo frio do outro, pela fome do outro, pelas carências do outro, que, inconscientemente, refletem as nossas próprias. No frio ficamos mais propensos à interiorização, querendo a proximidade do calor do fogo, do abraço, da proteção, do recolhimento. “Quisera hibernar no seu colo, que me acolhe feito ninho, quando começa o inverno e só despertar na primavera” eu escrevi num texto há muito tempo, e é o que sinto sempre nos dias frios: essa necessidade de introspecção e de aconchego. Sinto, não! Sentimos todos. O inverno é a estação da quietude, da nostalgia, do preparo íntimo para o renascimento que vem com a primavera. A vida é cíclica em nós e fora de nós e é inegável a influência que a troca de estações provoca, desde sempre, em todos os seres vivos. O espetáculo dessas grandes mudanças impressiona a mente, levando-nos a meditar sobre as causas de tão vastas e maravilhosas transformações e a perceber quão íntima é a relação de nossa própria vida com a natureza, pois, os mesmos processos que congelam um regato, desfolham árvores, incubam as sementes e as fazem brotar na primavera relacionam-se com nosso corpo e nossa psique. Nos primórdios da humanidade, o homem desenvolveu dramas mágicos destinados a banir os dias frios que traziam consigo o pesadelo da fome, a morte e tantas restrições e garantir o retorno da primavera através de ritos que exaltavam a fertilidade, criando e adorando deusas de ventres sempre grávidos e seios fartos de alimento. Viver e fazer viver, comer e gerar descendentes eram as necessidades primárias de nossos antepassados e continuarão sendo do homem no futuro enquanto o mundo for mundo. Existem itens que obviamente embelezam e enriquecem a vida humana, mas se essas necessidades básicas não forem satisfeitas em primeiro lugar, a própria humanidade deixará de existir. Assim, sob os nomes de Osíres, Tamuz, Adônis, Átis, os povos do Egito e da Ásia personificavam a finalização e o renascimento da vida, materializando-se num deus que morria e ressuscitava anualmente em meio a significativos e solenes rituais, sempre do corpo da Deusa Mãe: Gaia, Ísis, Pele, Inana.. Com o tempo, a compreensão de alguns dos mistérios da vida e o surgimento de religiões monoteístas contribuíram para que as praticas mágicas se fundissem e se confundissem com outros ritos, embasados, eles também, no mistério da morte e da ressurreição. Para nós, que vivemos em país tropical, o drama das mudanças de estações passa quase despercebido. Já na Europa e mais precisamente no leste europeu, onde o calor restringe-se a escassos três meses do ano, essas mudanças são muito mais perceptíveis e aguardadas ansiosamente. Ali, em meio a realização de festas onde há muita comida, bebida e a prática de ritos ancestrais, homens, mulheres e crianças preparam a mente e o corpo para as mudanças inexoráveis pelas quais, um dia, todos nós certamente haveremos de passar. Pena que tenhamos olhos apenas para as alegrias e a agitação da primavera e do verão em nossas vidas, quando o outono e o inverno são igualmente mágicos, poderosos e transformadores. (Ludmila Saharovsky)

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    3 pensamentos sobre “Inverno

    1. Olá Lu!

      Vim aqui conhecer…realmente é muito bom…bastante variado em termos de temas e estilos…vou passear por aqui mais um pouco!!

      Abraço…

    2. quite interesting to read your thoughts June triggered. in kerala, my native place, it is rain, rain all the way in june. here through the glass needles of rain, countless angels are now coming down to earth (as neruda says in his memories)

    3. And in my tropical country, 15, 10 degrees already on ice, then we search in the flame of fire, and the dream of wine warm body and soul. Kisses my distant friend!

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