As palavras


(Mulher lendo, óleo sobre tela de Joahnnes Vermeer (1632-1675)

“Chega mais perto e contempla as palavras, cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta, pobre ou terrível que lhe deres: Trouxeste a chave?”(Carlos Drummond de Andrade)

Como escrever sobre sentimentos que não podem expressar-se em palavras? Revelar esse momento único de espera, quando aguardo por algo que eu mesma só pressinto, mas não qualifiquei ainda, então, nem rego para que cresça, e nem o arranco de vez de mim, mesmo correndo o risco de que poderá tornar-se erva daninha e por todas as tênues memórias a perder…Como plasmar o meu sagrado em palavras, sem contaminá-lo por esse vácuo de incertezas no qual mergulho, sentada à mesma mesa de refeições onde tantas vezes elaborei textos, que te remetia, na esperança de que lesses com outros olhos e descobrisses, finalmente, a chave que eu te enviava, de acesso ao meu interior? Curvo-me sobre meu corpo, como se, retornando à posição fetal, me fosse possível renascer. Como se, dessa maneira, eu conseguisse destruir o passado e a partir de então, a tessitura de meu destino seguisse um novo arranjo. Observo toda a vida que passou por nós, em meio a essas palavras com que tento, agora, te remover de mim. Revejo nos teus olhos cinzentos um abismo que me fascina e atormenta. Tu, que tens o poder de olhar-me, sempre, através: Através de meu corpo, através de minha vontade, através de meus pensamentos, através do tempo, que gira, gira e me recoloca no mesmo lugar, ao qual não quero pertencer. Pegas a folha escrita que te entrego e lês o conteúdo com sincera atenção. Dizes: “Este teu texto é muito bom. Eu gosto.” E eu fico observando, muda, como teus olhos se contraem quando mudam de foco e me fitam. Então, para que não me adentres mais, começas a me contar sobre os últimos livros que leste, as cidades que visitaste, o teu lar, os amigos. Falas de tua mãe, de teus irmãos, e eu absorvo em mim cada palavra, tentando perceber outras frases dentro das que me dizes, adivinhar porque me escolheste para narrar tuas confidências, que ouço com o coração, emocionando-me sempre com tuas histórias.Talvez eu pudesse interromper-te e te ordenar que me enovelasses também em teu destino, para que eu fizesse parte dele para sempre, e, no entanto, covardemente, eu apenas imagino quantas coisas poderia te dizer..
Perguntar, por exemplo, se percebes o rubor que me tinge as faces, sempre que me fitas. Indagar se notas o vazio dessa cidade, quando não estamos juntos… Se imaginas como te sigo em pensamentos por todos os lugares em que vais, quando de mim te ausentas…Se me sabes incendiada, sempre, pela memória do toque de teus dedos em minha pele, mesmo tendo a certeza, sem outras intenções, que não as do afeto.
Ah…e insistes tanto em nada saber de mim, nem o que te revelo, tímida, nesses breves textos, como se, ao leres, tu corresses o risco de, de repente, te perderes deste que és e tão bem conheces… Assim, nada te dizem as feridas, o deserto, a minha alma rasgada e dividida entre dois mundos, as minhas emoções sempre tão à flor da pele, e que vou aprendendo a disfarçar com este olhar evasivo com que te observo. Um olhar, como um dia me disseste, de fotossíntese…enquanto me devolvias a chave de acesso às minhas palavras.
(Ludmila Saharovsky)

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