A arte de observar formigas

O título em epígrafe, para dar certo, necessita de três ingredientes básicos: Um avô (pode ser avó…nada contra!) assumidamente sonhador e disposto a acompanhar os netos em suas aventuras de descobrimento do mundo; um quintal de terra, como os de antigamente, repleto de canteiros de dálias e roseiras, hortas, folhas secas e gravetos; lacraias, borboletas e tatus bolinha e, por último: tempo! (Essa mercadoria cada vez mais rara e escassa em nosso mundo moderno e agitado.)
Modus operandi: Identificar a trilha do formigueiro, em meio à grama, composta por uma procissão acastanhada, negra ou vermelha de formigas andarilhas em constante movimento. Ter um cuidado maior, se elas forem daquelas cabeçudas ceifeiras, que mordem ardido e cortam literalmente tudo o que encontram à sua frente, para não irritá-las e sofrer um contra-ataque!
Deitar-se sobre o gramado, preferivelmente num final de tarde e começar a fantástica viagem. Quanta descoberta! E porque, vocês dirão, observar formigas? E eu lhes respondo, recorrendo a Bilac “Ora (direis) ouvir estrelas! Certo perdeste o senso! E eu vos direi, no entanto,que, para ouvi-las, muita vez desperto e abro as janelas, pálido de espanto.” Bom, com a s formigas também é assim! Sòmente permitindo-nos vivenciar esta experiência é que poderemos ficar pálidos de espanto ao descobrirmos como seres tão minúsculos podem ser fortes, persistentes, organizados e trabalhadores. Descobrir que, nas entranhas da terra existem verdadeiros reinos comandados por rainhas que tem a seu serviço soldados e operários, e que elas, poderosas, expulsam as mais novas para que formem outros reinados colocando milhares de ovos branquinhos e fecundos. Descobrir e compartilhar a vivência única de que tudo ao nosso redor vibra e pulsa, seja no Macro, seja no Micro Cosmo, e faz parte de nossa herança pessoal, mesmo sem nos pertencer… Ou, talvez, quem sabe, nos pertença exatamente por isso: Por não ser posse nossa. Uma lição de despreendimento e delicadeza! Debruçar-se sobre a natureza viva e observá-la é a melhor maneira que temos para exercitar o amor. Um exercício que compartilhei com o avô, nos quintais de minha infância e que tanto alimentou a criança interior que ainda lateja em mim. Uma criança que continua a emocionar-se com formigueiros, abelhas, cheiro de chuva e a visão dos ipês carregados de buquês rosa, brancos e amarelos nesta paisagem da Serra da Mantiqueira. E, para concluir esta crônica: Numa manhã distante, em meu aniversário, despertei com uma estrutura de vidro ao lado de minha cama. Era uma espécie de formigueiro vitrine, que o avô construira para facilitar nossa observação. Emoldurados por três grossas ripas de madeira, dois vidros continham em seu entremeio uma porção de terra farelenta sulcada por túneis, câmaras, despensas e corredores: um espetáculo particular. Eu o mantive por muito tempo, enfiado em meio ao meu canteiro de margaridas, protegido de olhares curiosos, de predadores, da chuva e do frio…e hoje o preservo, ainda intacto, neste continente mágico onde vivem nossas melhores lembranças. (Ludmila Saharovsky)

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    2 pensamentos sobre “A arte de observar formigas

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