Inspirada nas obras de Nero de Deus e nas palavras de Ludmila Saharovsky sobre ela, deixo aqui uma reflexão sobre as formas rotundas, que o artista adotou em suas madonas. A fonte é Camille Paglia, em Personas Sexuais, que apresenta uma visão instigante sobre a relação entre caos e arte, sociedade e natureza – e muito, muito mais.
O ponto de partida – e primeira mostra da arte ocidental – é a chamada Vênus de Willendorf, uma minúscula estatueta (11,5 cm) da Idade da pedra. Nela vemos todas as estranhas leis do primitivo culto da terra. A mulher é ídolo e objeto, deusa e prisioneira. Está sepultada na massa volumosa de seu corpo fecundo.
É bela? Na idade da pedra, a beleza ainda não surgiu como um critério para a arte. Nesse tempo, arte é magia, uma criação ritual do que se deseja. Uma invocação, um convite: mãe natureza, faça com que os rebanhos voltem, para que o homem coma. As cavernas eram as entranhas das deusas, e a arte era uma escrita sexual. Um emprenhamento. Nesse momento, a arte ainda não descobriu sua relação com o olho.
E a nossa primeira Vênus traz consigo a sua caverna. É cega. As cordas de cabelos que parecem fileiras de milho aguardam a invenção da agricultura. A ausência do rosto é a impessoalidade do sexo e da religião primitivos (não lhe remete às burcas, aos hábitos das freiras, etc?). Ainda não há psicologia nem identidade, porque não há sociedade, coesão. Só a natureza e sua explosão de elementos.
Nossa Vênus não tem olhos porque a natureza pode ser vista mas não conhecida. Transbordante, protuberante, volumosa e bulbosa, a estatueta é a noite arcaica (o inconsciente – é Dionísio). É fêmea, mas não feminina. Curvada sobre a própria barriga, cuida do caldeirão da natureza. É túmida de força primal, inchada de esperanças. Não tem pés. Colocada em pé, cairia. A mulher imóvel, sobrecarregada com seus montes inchados de seios, barrigas e nádegas. Não tem braços. São barbatanas achatadas riscadas na pedra, não evoluídas, inúteis. Não tem polegares, e, portanto nem ferramentas. Ao contrário do homem, não pode vagar nem construir. É uma montanha que pode ser galgada, mas jamais mover-se. O culto da terra, suprimindo o olho, encerra o homem na barriga de suas mães.
A natureza (o inconsciente, Dionísio) é força primitiva, rude e turbulenta. A beleza (consciente, Apolo) é nossa arma contra ela; com a beleza fazemos objetos com limites, simetria, proporção. A beleza detém e paralisa o fluxo derretido da natureza – e foi criada por homens que atuavam em conjunto. É a licença do objeto de arte para viver. O objeto existe por si próprio, como um deus. Nós o conhecemos pela vista. A beleza é nossa fuga do escuro invólucro da carne que nos aprisiona. (Maria Tereza Campos)
continua….
Ola ludmilla,
Sua história me contagiou…Por coincidência tem me vindo parar a mão muita história ligada ao lEste Europeu, para simplificar….Terire prazrm conversar com voce. Grande abraço Adorei seu blog.